A colonização de mentes é um instrumento de submissão de sociedades que são impulsionadas a respaldar ou, quando menos, ignorar políticas que atentem contra seus próprios interesses e necessidades. Estas políticas, promovidas por minorias privilegiadas, preservam e reproduzem as situações de submissão.
Pequenas mas poderosas minorias conseguem impor seus privilégios sobre grandes maiorias populacionais por meio do esclarecimento de uma diversidade de mecanismos de submissão. Todos esses mecanismos derivam do poder econômico e político que acumularam através do tempo. Esse poder é preservado por uma ordem legal e econômica que assegura sua reprodução.
Em regimes autocráticos, o poder concentrado em poucas mãos conta com mecanismos repressivos para encarar qualquer tentativa transformadora. Isto inclui forças de segurança ferreamente controladas, confinamento ou eliminação de opositores reais ou eventuais, máxima concentração econômica em umas poucas famílias que formam a classe dominante, um fundamentalismo ideológico que justifica e enaltece a dominação autocrática.
Em regimes democráticos, o poder concentrado reserva a força repressiva para situações onde se extravasam as iniciativas que ameaçam seus privilégios. Para evitar chegar a essas situações conta com uma ampla variedade de mecanismos de submissão que são utilizados em diferentes combinações e proporções de acordo com as circunstâncias em que se desenvolvem. Isso inclui mecanismos econômicos de apropriação de valor que lhes permitem seguir acumulando riqueza e com ela cooptar ou comprar cumplicidades; mecanismos de manipulação da opinião pública e suas expectativas que lhes permitem condicionar a marcha política e econômica, impor agendas, valores e atitudes afins a seus interesses e obter por via eleitoral significativos respaldos políticos; mecanismos de configuração institucional que lhes permitem contar com uma ordem jurídica e uma Justiça (boa parte de juízes e fiscais) que lhes favorece e permite bloquear ou travar tentativas transformadoras; mecanismos de desestabilização ou destituição de governos de base popular que põem um freio no avanço de forças políticas que ameaçam afetar seus privilégios. A combinação desses mecanismos produz tremendos efeitos que desvirtuam a essência de uma democracia e geram como resultado um fenômeno cada vez mais espalhado: as democracias capturadas.
A colonização das mentes é uma dimensão que está presente em todos os mecanismos de submissão. Ela impõe nas mentes uma forma de pensar e de perceber a realidade que favorece os interesses hegemônicos em detrimento do bem-estar geral e dos próprios interesses dos colonizados. Para lográ-lo, é necessário controlar os procedimentos e instrumentos pelos quais se forma a opinião pública e se impõem valores, atitudes e agendas. Isso implica alinhar em favor do poder concentrado os atores com maior capacidade de gerar informação e interpretação de certas dimensões da realidade, apresentadas como as mais significativas em detrimento de outras dimensões, perspectivas e interpretações.
Esses atores incluem meios massivos de comunicação (periódicos, canais de televisão, rádios, sítios de internet, revistas) que costumam estar muito concentrados; a indústria cultural (casas editoras, produtoras culturais e de entretenimento, museus e galerias, eventos musicais e desportivos, turismo) também com certo grau de concentração, ainda que a criatividade e o livre arbítrio encontrem formas de se infiltrar pelos alambrados; o sistema educativo formal (universidades, ensino médio e primário) com denominadores comuns, mas também com vieses significativos em conteúdos e métodos educativos entre estabelecimentos públicos e privados; centros (think tanks) de pensamento estratégico que atuam como usinas geradoras ou difusoras de ideologias e propostas com grandes diferenças de equipamentos e financiamento em favor daquelas afins ao poder concentrado a quem servem de sustento.
Ferrolho formativo e comunicacional
O poder concentrado dispõe, assim, de poderosas plataformas para procurar colonizar mentes: uma formativa e outra comunicacional. Esse poder formativo e comunicacional lhes permite impor suas perspectivas e interpretações que são apresentadas como verdades únicas e críveis. Repetem mil vezes em centenas de fontes suas mensagens até consagrá-las por cima de muitíssimas outras vozes que não conseguem ser escutadas com a mesma amplitude e permanência.
Pode-se citar uma infinidade de exemplos de vieses formativos e comunicacionais que agoniam nossas sociedades. Uma de grande atualidade é a forma como é conceituada, explicada e denunciada a corrupção.
As plataformas formativas e comunicacionais afins ao poder concentrado põem em foco o fenômeno da corrupção de políticos e funcionários. Eles lucram ilegalmente com a administração dos recursos públicos que lhes são confiados em conjunto com certos empresários que pagam propinas para obter suculentos contratos de obras e serviços públicos. Isso ocorre e vem ocorrendo com governos de todo signo político em praticamente todos os países do mundo (centrais ou periféricos, afluentes ou em situações de grave pobreza).
Um primeiro viés se dá em nível do que se denuncia como corrupção. Marca-se a corrupção vinculada com as contratações públicas e se ignora, dissimula ou se oferece pouca cobertura dos grandes fatos de corrupção por bilhões de dólares cometidos por bancos e corporações (internacionais e nacionais). O que uns e outros realizam é condenável, mas o impacto sobre os povos desses diferentes atos de corrupção é grosseiramente desigual. As estimativas que existem sobre recursos escondidos em guaridas/paraísos fiscais mostram que 3% desses recursos provêm da corrupção vinculada à política enquanto que 66% pertence a grandes atores econômicos que fazem praticam a fuga de capitais e evadem impostos nos países onde suas rendas foram geradas.
Um segundo viés se refere ao diferente tratamento informativo com que se cobre a corrupção – certa ou inventada – de funcionários de governos de base popular diante da corrupção tanto de governos neoliberais, cujas principais figuras têm ocultado sociedades e contas off shore não declaradas, como a que praticam e foram descobertas por parte de grandes entidades financeiras (como se resenha nos artigos Roubaram-nos até a primavera e Cobiça financeira: impunidade assegurada e indiferença às vítimas).
O que se oculta costuma ser de muito maior envergadura e transcendência que o que as plataformas formativas e comunicacionais afins ao poder concentrado escolhem como problemas prioritários. É um ferrolho formativo e comunicacional que serve a certos interesses e bloqueia ou confunde o esclarecimento social e individual necessário para avançar até a cabal compreensão do que acontece e por que acontece, crítico sustento de democracias plenas não capturadas.
Outros exemplos podem ser encontrados na orientação que predomina nas Escolas de Negócios mais reconhecidas que formam graduados para administrar entidades econômicas guiadas pelo afã do máximo lucro sem quase considerar as “externalidades não desejadas” (mas esperadas) que provocam sobre países e pessoas; credo hegemônico do mundo dos negócios que despreza outras concepções e formas de agir que integram resultados corporativos com o bem-estar geral.
Esclarecemo-nos e esclarecer
Em síntese, a colonização das mentes obtura e enviesa a capacidade de perceber a realidade em sua plenitude e complexidade; condiciona a capacidade de discernir entre fatos e interpretações semeando dúvidas sobre os próprios juízos e perspectivas; bloqueia ou esteriliza ações transformadoras. Por meio da constante repetição de dogmas e a enviesada seleção de aspectos da realidade, o ferrolho midiático e comunicacional impõe suas interpretações e certezas. Vozes afins ao poder econômico são enaltecidas e apoiadas com financiamento e exposição midiática enquanto os que sustentam suas próprias perspectivas e defendem diferentes interesses são silenciados ou ignorados.
Não é simples desmascarar a credibilidade impostada dos que falam com alto-falantes midiáticos financiados pelo poder econômico, mas é imprescindível encarar esse desafio; terá de crescer em organização, determinação, criatividade e habilidade comunicacional para compensar a escassez de recursos disponíveis.
Cabe sustentar uma permanente e não ocasional batalha cultural para esclarecermo-nos e ajudar a esclarecer. O promissor é que são diversas as formas e os métodos que cada comunidade escolhe segundo considere apropriados a sua realidade. Isso abre várias possibilidades tanto em nível local como nacional.
Em nível local, jogam interesses que, por sua proximidade, podem ser identificados com precisão, o que permite desentranhar questões essenciais, entre outras, (i) como se produz valor nesse território e como ele é distribuído entre os que o geraram; (ii) como se informa a comunidade (os que informam e sua orientação); (iii) de que forma as instituições locais facilitam ou travam as transformações que a comunidade propõe; (iv) qual é a correlação local de forças e se sua composição e dinâmica possibilita ou logra impedir que a democracia local possa ser capturada por minoria alguma. As análises das estruturas e dinâmicas de funcionamento que predominam servem de base para identificar opções e desenhar propostas de transformação.
Em nível nacional, universidades e centros de pesquisa sindicais, empresariais ou comunitários analisam macro mecanismos de apropriação de valor, incluindo o grau de regressividade/progressividade do sistema tributário, a natureza e dinâmica da matriz produtiva, o funcionamento das principais cadeias de valor, o grau de concentração dos mercados e seus impactos sobre a formação de preços, as recorrentes restrições de setor extremo, a competitividade e a integração de nossas economias no concerto internacional.
Outros grupos e círculos analisam os processos políticos, os movimentos sociais, o funcionamento institucional, a estrutura midiática, como se forma a opinião pública e as expectativas sociais e econômicas, a dinâmica eleitoral, o sistema judiciário, e tantos outros aspectos que fazem o funcionamento do conjunto social.
Esses conhecimentos e interpretações se potencializam enormemente reforçando a conectividade em rede e promovendo colaborações entre os grupos orientados para o local e aqueles que abordam dinâmicas de alcance nacional. Dessas conexões emergirão metodologias que permitam integrar em sínteses compreensivas as implicações e significação das diversas análises e propostas.
Um comentário final faz a linguagem requerida para enfrentar a colonização de mentes. Para ser efetivo, o processo de esclarecer quais são e como funcionam os diversos mecanismos de submissão que fazem agonizar nossos países deve chegar às grandes maiorias populacionais. Daí que essa soluções e propostas devam necessariamente ser expressados em linguagem compreensível por todos e não só por especialistas ou reduzidos círculos de iniciados. É que a marcha social para um melhor rumo e forma de funcionar nunca foi conduzida e menos sustentada por especialistas, mas por lideranças e maiorias mobilizadas segundo o grau de esclarecimento, determinação e organização.