Se enchesse de água uma piscina com rachaduras por onde se perde água caberia fechar as brechas antes de juntar sem parar mais água. Algo disso acontece em muitas economias do mundo e com maior gravidade nos países não centrais que sofrem uma constante e imensa drenagem de recursos. Drenagem indecente que castiga os povos e contribui para concentrar a riqueza.
O dramático é que boa parte dessa drenagem surge de operações ilegais (delitos) ou ilegítimas (quase delitos).
As operações ilegais incluem, entre outras, a evasão tributária, a imposição de interesses usurários, o abuso de poder de mercado e as operações frauduletes de comércio exterior.
As operações ilegítimas são possibilitadas por políticas impostas pelo poder econômico que transformam em legais o que em outros contextos são ilegais. Assim, os dominadores se arrogam o poder de decidir o que é legal e o que é ilegal favorecendo dessa forma lucrar sem limites às expensas do resto da população.
Quem são os delinquentes e como fogem recursos mal havidos
Os dominadores encobrem que a drenagem criminosa de recursos que realizam se baseando em seu poder e impunidade é o resultado de apropriar rendas que pertencem ao Estado, a consumidores, a trabalhadores, a fornecedores e a competidores.
Uma parte desses recursos mal havidos fica no país engrossando os circuitos ilegais de operação, mas uma grande proporção fuja a guaridas fiscais. Cria-se que a maior drenagem criminosa que se refugia nessas guaridas provém do crime organizado (tráfico de drogas, pessoas e armas) mas não é assim. Um terço dos recursos fugidos tem essa origem, ao redor de dez por cento provém da corrupção e, alerta, quase dois terços da drenagem criminosa de recursos radicado em guaridas fiscais o realizam grandes empresas e famílias de altas rendas[i].
Foi destacado que a drenagem criminosa de recursos não é ocasional mas enorme e permanente, cabe explicitar que provoca consequências sociais e econômicas devastadoras.
Assim, a grande evasão e elusão tributária permite a delinquentes aumentar seu lucro retendo recursos que deveriam aportar ao fisco. Ao fazê-lo, desfinanciam ao Estado limitando sua capacidade de prover infraestrutura social e produtiva. O roubo cometido reduz as rendas públicas legítimas e força o Estado a acudir outras fontes como o endividamento e uma maior emissão afetando seriamente as contas públicas. O déficit fiscal resultante é uma das devastadoras consequências desse latrocínio; não aparece sem razão, mas por perder rendas legítimas em mãos dos que mais tem. Daí que a solução imposta pelos dominadores de reduzir o investimento social carece de legitimidade e sentido; a política apropriada para fechar um déficit fiscal passa, em primeira instância, por suprimir com firmeza a drenagem criminosa por impostos exigíveis e não pagos.
São conhecidos os muito grandes evasores e não os que ocasionalmente se prendem (“peixes pequenos”, no léxico popular). E também se conhecem os variados mecanismos que utilizam para evadir. O exemplo dos agroexportadores é demolidor.
Em geral, quem exporta a produção agropecuária são um punhado de grandes corporações globais; não exportam diretamente os produtores que vendem sua produção a varejistas e exportadores. Aí começa a grande fraude fiscal. Os grandes agroexportadores fazem parte de uma rede global com subsidiárias ou empresas associadas em todos os mercados do mundo. Isto facilita que os grandes agroexportadores que operam em um país possam vender a uma dessas subsidiárias no exterior a um preço por debaixo do vigente no mercado internacional, o que tecnicamente se chama subfaturamento da exportação. Ao fazê-lo, declara ao fisco nacional menos lucros e, portanto, evade uma boa parte dos impostos que deveria pagar roubando recursos que pertencem à inteira sociedade. Enquanto tanto a empresa subsidiária, agora sim, vende ao comprador da exportação ao preço pleno de mercado e fica com o lucro não declarado. A subsidiária pode logo remeter esse lucro à sua casa matriz que a soma a seu patrimônio ou destina esses recursos roubados a qualquer outro propósito.
É crucial desmascarar essa operação criminosa porque compromete a soberania nacional de decidir como reter e distribuir a poupança nacional sem castigar setores médios e populares. Algo que os delinquentes sabem encobrir enquanto circulam em elevados círculos sociais desfrutando de arbitrariedades. É inaudito que tamanhos saques de “colarinho branco” gozem de total impunidade.
Outro importante componente da drenagem criminosa de recursos mencionado mais acima é a massiva apropriação financeira de excedentes. Dada sua magnitude (praticamente todo o mundo está endividado) e complexidade (articulação de redes locais de usura e extorsão com quem controlam das finanças globais) requer tratar o sistema financeiro, suas normas e suas regulações-desregulações em seu conjunto, desafio a ser abordado em um próximo artigo.
A drenagem criminosa e a política
As prioridades que cada país soberano adote para fechar a drenagem criminosa de recursos variarão segundo as circunstâncias e fases de desenvolvimento. Não existem receituários únicos como os impostos pelos centros de poder e seus organismos internacionais que agem como se não existissem as inevitáveis singularidades de cada situação e lugar. Daí que só correspondem destacar grandes prioridades estratégicas, as políticas e os mecanismos específicos são atribuições próprias de cada país.
Possibilitar estas mudanças de rumo e formas de funcionar se assenta em uma base política fundamental, conformar uma firme coalizão política para ganhar eleições e gerenciar com efetividade os mandatos recebidos. É o maior desafio para poder enfrentar exitosamente o poder econômico e seus cúmplices midiáticos e judiciais. Esse poder tem configurado trincheiras que lhes permite manipular a opinião pública e fazer valer seus interesses.
Uma coalizão política liberadora se sustenta em um permanente esforço de esclarecimento e organização social, incluindo setores populacionais com diversas culturas e necessidades que nem sempre avançaram juntos. Isto hierarquiza a importância de alinhar desejos e interesses, algo que não acontece espontaneamente pela heterogeneidade constitutiva de setores médios e populares. Com débil esclarecimento e organização social se reproduzem vulnerabilidade que os dominadores sabem aproveitar para agigantar a fragmentação social.
[i] GAGGERO, J., RUA, M. y GAGGERO, A. (2013) Fuga de Capitales III. Argentina (2002-2012). Magnitudes, evolución, políticas públicas y cuestiones fiscales relevantes.CEFID-AR. Documento de Trabajo Nº 52. Buenos Aires, diciembre 2013
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