O que significa conduzir, no mundo atual? Neste artigo, proponho algumas regras e receitas como material de discussão.
Quando o General Perón publicou seu livro Condução Política (que é uma chave para explicar a continuidade do justicialismo na história política argentina), o modelo de condução preconizado era típico e característico do século XX: um organograma hierárquico, vertical e disciplinado. Esse modelo provinha tanto das antigas burocracias históricas no Oriente e no Ocidente, como da organização de empresas na era industrial. Mas já então as lições de condução daquele militar e líder político argentino se aproximavam surpreendentemente das lições de hoje de um general norteamericano.
O século XXI mudou o panorama de forma radical e, portanto, tornou obsoletos os anteriores modelos modernos de administração e liderança, cuja justificação fundamental era a eficiência. Por que é assim? Nas notas que seguem, farei um simples repertório de razões que avaliam esse juízo.
A nova sociedade global, além de instituições, tem redes e não pode funcionar sem elas. As redes se antecipam e sobrepõem às instituições.
As redes permitem pessoas e organismos operar em novos ambientes, que mudam continuamente.
A sociedade global do século XXI está melhor conectada, tem ritmos mais velozes e é menos previsível que as sociedades precedentes, inclusive as sociedades mais modernas do século anterior. Essa característica de velocidade e ductilidade é válida em qualquer setor da sociedade: relações interpessoais, negócios, conflitos e alianças.
Não se trata de novas táticas ou tecnologias, mas da arquitetura e cultura das organizações novas.
As instituições tradicionais têm uma estrutura e uma cultura disciplinada, hierárquica e redutora (verticalismo).
Estas características se viram exacerbadas na era industrial, cujo lema era “eficiência”. O importante, então, era a execução eficaz de processos conhecidos e repetidos.
Hoje essa eficiência não basta.
Em um mundo interdependente, a máquina (em sentido literal e também metafórico) mais complicada e eficaz não é capaz de se adaptar à nova complexidade.
A complexidade é menos previsível que a complicação. O motor de um automóvel atual é muito complicado, mas é estável. Em troca, as redes de comunicação social, as redes financeiras e as redes subversivas (terrorismo, tráfico humano e de drogas, evasão fiscal, etc) são complexas e continuamente cambiantes e adaptáveis (algo assim como um retrovírus). Não há mecânicos de redes.
A imprevisibilidade é incompatível com soluções reducionistas baseadas no planejamento. Requer um novo enfoque.
A predição (que é, todavia, o modelo das ciências sociais) não pode antecipar imprevistos, ameaças e desafios; não pode desenvolver resiliência nem responder a um ambiente complexo e continuamente cambiante.
Adaptação e flexibilidade são os requisitos funcionais de qualquer campo social.
As redes se configuram continuamente. As redes funcionam de maneira muito distinta às instituições. Nas instituições há procedimentos. Nas redes há criatividade e improvisação.
Um dirigente exitoso hoje sabe trocar a superestrutura de comando de -qualquer organização herdada que lhe tenha cabido conduzir. Para manejar redes e equipes, requer-se uma equipe de equipes, uma estratégia de estratégias, isto é, uma visão global do panorama e dos objetivos que se apresentam, sem interferir com a iniciativa e a criatividade dos atores.
As equipes que hoje levam adiante tarefas de investigação, inversão e produção não podem ser dirigidas por um comando central tradicional.
As relações entre equipes têm que ser similares às relações entre indivíduos de uma equipe só. Trata-se de uma contínua interação coordenada entre equipes sem esquemas rígidos.
Qual é a função do comando central? Não se trata de mandar, mas de ver o conjunto antes de nada, e depois dirigir ajudando, podando, fertilizando, delegando iniciativa. O líder não é um chefe que manda, mas alguém que se parece mais a um maestro ou a um jardineiro principal do que a um comandante ou gerente tradicional.
O compartilhar informação na dispersão geográfica e cultural do mundo atual é indispensável em qualquer organização flexível que queira sobreviver.
Quais seriam os ingredientes desta perspectiva? Enumero-os:
Transparência (evitar decisões ocultas)
Uma economia comum e compartilhada.
Um dirigente que age com exemplo, sem dar ordens.
Desmontam-se barreiras e compartimentos estanques.
A informação e comunicação flui continuamente em direção a e a partir de um centro que adapta e coordena.
A função do centro (antes se chamava comando) é romper o dilema do prisioneiro na teoria dos jogos, em função de uma solução de conjunto que em um começo não é acessível à lógica individual.
O desenvolvimento de fortes laços laterais.
A confiança mútua em tarefas comuns.
Abandonar o controle rígido.
Autonomia e iniciativa sem perder contato entre as distintas equipes.
Uma prática disciplinada é somente uma antessala de uma execução semiautônoma.
O dirigente é um jardineiro, não um oficial.
Os líderes são mais necessários que nunca em um mundo de redes, mas serão um tipo novo de líder.
Não podem nem saber tudo nem controlar tudo.
Não são maestros de xadrez mas maestros jardineiros.
Não se trata de uma liderança passiva. Pelo contrário. Não conduzem de lá de trás, mas de baixo e de cima ao mesmo tempo e circulam continuamente.
As organizações deixam de ser mecânicas e se tornam orgânicas.
Todos esses ingredientes se resumem em um distinto modelo mental e um distinto comportamento cotidiano.
Quem o entender, terá êxito, ainda que no ápice de uma organização tradicional e antiquíssima.
Como dizia Napoleão, um só exemplo aclara tudo: uma organização tradicionalmente rígida e reacionária como a Igreja Católica hoje se deu um Pontífice que não pontifica, mas que abona, fertiliza e deixa crescer. Não se deu um general-em-chefe, mas um jardineiro principal. É todo um modelo novo que provém (como corresponde à sociedade de redes) do rincão menos esperado.
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