Que significado social, político e económico tem esse enorme universo populacional e que tipo de respaldo requer.
O espaço socioeconômico denominado “economia popular” é enorme e diverso. Em alguns países abarca a quase toda sua população, em outros pode representar ao redor da metade da população ou um terço dela. Só em muitos poucos países essa proporção pode se reduzir ainda mais. Oxalá fosse distinto, mas não o é, com o agravante que as “cifras” (seres humanos que sofrem e buscam sobreviver) mudam com o tempo. Em épocas como a atual onde prima a desaforada concentração da riqueza (e o conseguinte poder de decisão), cresce a economia popular como frágil refúgio a um ritmo semelhante.
A economia popular engloba comunidades de pessoas que sobrevivem em sempre duríssimas circunstâncias, trabalhando rudimentarmente para lograr magras rendas quase sem apoios que lhes permitam rumar em outras trajetórias. Há exceções onde valiosas organizações dão batalhas, sempre costa acima, para lograr direitos que lhes são escamoteados.
A economia popular não é um espaço que existe independente daquilo que a origina. Isto é, surge da ação de poderosos grupos minoritários que impõem às maiorias sistemas econômico-politico-midiático-judicial-cultural-valorativos que impactam todas as dimensões da vida dos seres humanos, incluindo a educação e saúde, a segurança, a alimentação, a proteção habitacional, a ciência e tecnologia, a tremenda destruição ambiental. Tudo isso funciona interligado, ainda que não se plasme como estruturas estanques, rígidas ou inamovíveis.
Significação da economia popular
O ponto de partida passa por uma razão ética e política de justiça, reparação e mobilização de múltiplos setores populares que vivem em condições de subsistência. Os dominadores os tratam como párias sem direitos. É uma situação inaceitável que exige imediata solução.
Outra crítica razão é que na economia popular aninha uma capacidade produtiva de enorme dimensão que se fosse apoiada apropriadamente poderia se converter em ativo estratégico de desenvolvimento sustentável. Esta capacidade tem sido esterilizada, represada, acantonada. Se lograsse ser ativada sobre bases de efetividade, equidade e justiça, se aumentaria beneficamente o aparato produtivo incorporado unidades com forte raizame social. Essas raízes possibilitam a emergência de atores que, avançando em esclarecimento, orientem seu esforço produtivo ao duplo propósito de obter rendas e derivar os eventuais efeitos multiplicadores se sua atividade a favorecer sua comunidade, em um contexto de respeito ao entorno ambiental.
O desenvolvimento da economia popular pode aportar um halo de esperança à inteira sociedade; dependerá de como se materialize. Uma trajetória possível é integrar a economia popular ao processo concentrador predominante; isto é, que cada empreendimento avance por sua conta e debilidade para se conectar com o existente. Outra opção é articular os empreendimentos em associações agremiadas e produtivas com maior poder de negociação com o resto do sistema econômico e com quem decide as políticas públicas. Uma perspectiva que procura reunir o produtivo e uma boa inserção comercial com a ajuda solidária a sua comunidade e o impulso de políticas públicas que respeitem os direitos e necessidades populares.
Respaldo à economia popular
A complexidade e profundidade das circunstâncias em que está sumida a economia popular faz-se imperioso contar com um respaldo que encare o conjunto de aspectos que bloqueiam seu desenvolvimento. Um apoio que possibilite novos e experientes empreendimentos de base popular identificar e acessar a oportunidades promissoras com critérios mais amplos que seus próprios interesses. Isto é, conscientes que as decisões produtivas impactam tanto o entorno social como ambiental, escolher aquelas que conjuguem a busca de efetividade econômica com o exercício de responsabilidade social e ambiental.
O ponto de partida é complexo já que a economia popular não conta com os fatores que são necessários para potencializar seus empreendimentos. Esses fatores estão disponíveis para as empresas do sistema econômico formal; de igual modo, deveriam ser aprovisionados à economia popular. Vale explicitar que nenhuma empresa exitosa utiliza apenas um desses fatores, mas quase todos, ainda que em diferentes proporções e modalidades. Daí que não é que suficiente um respaldo só parcial e de duvidosa qualidade aos empreendimentos da economia popular. Não funciona assim a economia produtiva, requer-se respaldo técnico e de gestão de excelência, disponibilidade financeira e condições que permitam preservar a marca comunitário.
Do contrário, se por exemplo acessassem à assistência técnica sem acompanhamento financeiro, o provável resultado será manter-se concentrados em atividades de subsistência ou de baixa rentabilidade. Tão pouco serviria acessar a magros financiamentos sem desenvolver a capacidade de identificar e acessar a oportunidades promissoras; do contrário, seguiriam operando nas opções que lhes são familiares. Ademais, se só recebessem apoio produtivo e financeiro sem a guia de seus organizadores para crescer em esclarecimento e lograr uma ação integrada a sua comunidade, cresceria sem risco de diferenciação social entre participantes de empreendimentos exitosos e o resto de seu entorno social.
É crítico assegurar uma justa e não subordinada inserção nos demais estamentos do sistema econômico. Isto implica poder negociar uma justa integração das cadeias de valor para não ser expressos via preços ou condições comerciais pelas empresas líderes. Se carecessem do poder necessário para lográ-lo, não deveria mediar o Estado?
São essas e outras circunstâncias as que sustentam o tipo de respaldo que requer a economia popular. A assistência convencional leva a magros resultados econômicos e consequências não desejadas, furibundos “danos colaterais”, com fraturas sociais, rivalidades e antagonismos. O respaldo à economia popular deveria apontar a uma construção inclusiva e solidária que reforce a unidade comunitária.
Muito sofreram as populações da economia popular para se embarcar em trajetórias de contraditórios resultados. Não é que falta talento ou determinação, acontece que a população está submetida a permanentes bombardeios valorativos que encobrem interesses dos atores dominantes. Se lhes impõe um sentido comum que opera como os sinistros cantos de sereia destacados na Odisséia de Homero: não permitem advertir o perigo de deixar-se levar ao fracasso por promessas falsas e infundadas.
Estratégias e instrumentos de apoio integral
Se bem seja de alta prioridade oferecer um respaldo integral à economia popular, não existe uma única modalidade para implementar esse apoio. A estratégia a utilizar necessita adaptar-se às singularidades de cada tempo e situação. É assim porque as sociedades são diversas quanto à conformação, tradicionais culturais, experiência política, natureza de suas lideranças. Só é possível destacar eventuais comuns denominadores como é o caso de exigir excelência em tudo o que se prove, tanto em matéria de inteligência econômica, modalidades financeiras e esforços de esclarecimento.
Um importante desafio é ultrapassar os estreitos espaços de possibilidades inculcados como o único acessível para a economia popular. Não só é possível, mas imperioso, identificar e aproveitar mais promissoras oportunidades que as predominantes na economia popular. Para isso, haverá que sortear tudo aquilo que busca minar a esperança de mudança possível, uma isca antipopular que é indispensável desmascarar.
Em verdade, existe uma diversidade de propostas para avaliar. Cada organização da economia popular saberá escolher a que lhes sirva, eventualmente adaptar o que requer ser ajustado, e destacar aquilo que não corresponda com sua própria realidade.
Também Opinión Sur tem procurado aportar modalidades de apoio à economia popular nas quais se destacam dois poderosos instrumentos: as desenvolvedoras de empreendimentos da economia popular e fideicomissos especializados em financiá-los. Um breve resumo dessas propostas pode se ver no artigo Economía popular, acciones concretas de envergadura.
Nebulosas induzidas e decisão política
Respaldar a economia popular exige uma firme decisão política. Uma decisão de agir com a efetividade e envergadura que o desafio exige. Não servem programas residuais apartados das grandes decisões macro e mesoeconômicas. É o impacto que medidas de respaldo à economia popular podem gerar que deveriam ser parte essencial das grandes decisões de desenvolvimento nacional. Não sabe relegar a tanta população a um enfoque de assistência social por mais que com frequência devam se adotar medidas de emergência que são impostergáveis.
Quem domina os países costumam aduzir toda sorte de argumentos para não respaldar com o nível sugerido de excelência à economia popular. Um dos mais utilizados é que não há recursos suficientes, o qual é uma falácia. Existem enormes excedentes produzidos no interior dos países só que são apropriados por grandes corporações que não os registram em sua totalidade, evadem sua responsabilidade tributária da parte que escondem e esterilizam o mal havido fazendo-o fugir ao exterior. Com isso e outros delitos não podem se defender abertamente, induzem todo tipo de nebulosas para mascarar suas feitorias.
Se os recursos existem, cabe elucidar se essa enorme drenagem seguirá castigando as maiorias populares ou se, pelo contrário, corresponde desmontar os mecanismos de apropriação para destinar esses recursos atendendo o crítico respaldo à economia popular.
Também se argumenta que o fundamental é que cresça a economia sem explicitar que o mais provável é que se beneficiem grandes conglomerados oligopólicos e não a inteira sociedade. Os dominadores sustentam que isso se produz em primeira instância, mas logo os benefícios se “derramam” para todos os estamentos sociais, algo que não acontece. Daí que seja imperioso respaldar os empreendimentos da economia popular para que a equidade se gere desde sua produção e não por redistribuição de rendas que os poderosos registram como próprios.
Outro argumento que faz parte das induzidas nebulosas é a necessidade de certeza para decidir investir. Ninguém proporia promover incertezas, mas cabe perguntar se a certeza que aduzem os poderosos implica reproduzir indefinidamente o processo de concentração da riqueza. Por outra parte, ainda quando existam políticas e regras firmes de funcionamento, a cobiça sem limites mantêm ciclo após ciclo as práticas de apropriação, evasão tributária e fuga de capitais.
As nebulosas se constroem com o fim político de escamotear a significação da economia popular e negar-lhe um respaldo integral de envergadura. Assegura-se, assim, preservar o status quo que favorece os dominadores. Não há casualidades, mas causalidade na ordem estabelecida.
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