Séria ameaça ao modelo econômico asiático

Cada vez mais, os países ocidentais atacam os modelos econômicos praticados na Ásia, alegando que as empresas pertencentes ao Estado ou as firmas comerciais subsidiadas pelo Estado possuem uma injusta vantagem diante das empresas estrangeiras que competem com elas.Muitos artigos e livros foram publicados sobre o contraste e a competência entre o atual modelo ocidental e os modelos econômicos praticados na Ásia. Afirma-se que os países ocidentais seguem o modelo de livre mercado baseado na competência entre empresas privadas com o governo assumindo uma postura de não intervenção. Os países do leste asiático são catalogados como praticantes do “capitalismo de Estado” em que o governo desempenha um papel muito importante em ajudar o setor privado local e no qual o Estado é, ademais, dono total ou parcial de várias empresas.

Os países ocidentais estão atacando cada vez mais o modelo asiático, alegando que as empresas estatais ou as firmas comerciais respaldadas pelo Estado possuem uma injusta vantagem diante das empresas estrangeiras que competem com elas. No leste asiático, países com um papel substancial do Estado incluem a China, Malásia, Vietnã e Cingapura. Obviamente, no Japão e na Coreia suas empresas locais chegaram a se converter em líderes mundiais com o apoio sistemático de seus governos. Para esses países, o chamado capitalismo de Estado (ou no caso dos países socialistas, socialismo orientado ao mercado) funcionou bem por meio do desenvolvimento industrial e relativamente alto e sustentado crescimento econômico.

Alguns países ocidentais vêm tratando de frear ou mesmo até eliminar o modelo asiático de capitalismo de Estado ou assistido pelo Estado. Por óbvio que isso é, em grande medida, hipócrita, dado que os setores agrícolas americanos, europeus e japoneses estão amplamente subsidiados e protegidos; muitos de seus cultivos não poderiam sobreviver sem um apoio massivo do Estado e de altos impostos de importação. Muitos de seus bancos e companhias industriais também são subsidiados de diversas maneiras, inclusive através dos recentes resgates de vários bilhões de dólares no começo da recente crise financeira.

Isto não impediu que estes países ataquem o modelo asiático. O último intento de frear esse modelo é por meio de negociações dentro do Acordo Transpacífico de Associação Econômica (Trans-Pacific Partnership Agreement, ou TPPA), um tratado de comércio e investimento que inclui os Estados Unidos, Canadá, Malásia, Cingapura, Vietnã, Brunei, Peru, Chile, Austrália e Nova Zelândia.

O TPPA contém uma sessão importante sobre as empresas públicas apoiada pelos EUA e Austrália. Os esboços do TPPA são confidenciais, pelo que o texto da seção de empresas públicas ainda é desconhecido. Não obstante, pode-se antecipar que a sessão contém regulações para frear e moldar o comportamento de três classes de empresas públicas.

Os recentemente concluídos Tratados Bilaterais de Livre Comércio (TLC) dos Estados Unidos contêm um capítulo sobre competição que lida com dois tipos de empresas públicas. Por exemplo, o TLC entre Peru e Estados Unidos contém regulações sobre certos monopólios e empresas estatais e é provável que os EUA proponham algo similar no TPPA.

O TLC diz que os monopólios do governo deverão atuar somente em concordância com as considerações comerciais, inclusive com relação a preço, qualidade, disponibilidade, transporte, ao comprar ou vender o bem ou serviço do monopólio. Deverão outorgar um tratamento não discriminatório aos investimentos, bens ou serviços dos demais membros do TPPA. E não deverão utilizar sua posição monopólica para embarcar em práticas anticompetitivas com suas matrizes, subsidiárias ou outras empresas de propriedade pública que prejudiquem os investimentos de outros países. As empresas estatais deverão, mesmo assim, conceder um tratamento não discriminatório à venda de bens ou serviços a investimentos de outros países.

Mais importante, Estados Unidos e Austrália estão propondo um terceiro tipo de empresa pública que seria submetida a certas “disciplinas”. Segundo informes da imprensa, a Austrália introduziu o princípio de “neutralidade competitiva” para disciplinar as empresas públicas. Como será aplicado este princípio pode ser antecipado a partir dos alinhamentos de neutralidade competitiva do governo australiano baseados na noção de “negócio de propriedade governamental”. A empresa de propriedade estatal que compete com empresas privadas pode obter vantagens que impeçam o setor privado de competir em termos iguais.

Segundo os alinhamentos australianos, estas vantagens incluem eximir a empresa pública do pagamento de impostos, financiamento de dívida mais barato (devido à classificação de baixo risco ou garantias de governo); ausência de necessidade de obter uma taxa de retorno comercial; e eximi-las de restrições ou custos regulatórios. Para compensar essas vantagens destacam que os negócios governamentais deverão pagar a totalidade dos impostos; reembolsar ao governo federal a diferença entre os custos de seus empréstimos e os empréstimos do setor privado; pagar ao governo central o equivalente de direitos por licenças, e assegurar que obtenham uma taxa de retorno comercial.

Daí que seja provável que o esboço do TPPA contenha regulações similares ao exposto anteriormente quanto à terceira categoria de empresas públicas, entidades governamentais de negócios envolvidas em atividades comerciais que competem com o setor privado. As regulações propostas apontariam a que as “vantagens” de que gozam os negócios vinculados ao governo sejam anuladas.

As implicâncias para a Malásia, Vietnã e Cingapura seriam graves, dado que suas economias nacionais se caracterizam por um papel importante das empresas públicas ou das empresas vinculadas ao governo. Os países teriam de se apartar de seu exitoso modelo de desenvolvimento e estrutura econômica.

Ademais, as empresas públicas cumprem muitas funções, incluindo prover serviços sociais à população com especial consideração para os grupos pobres ou vulneráveis. Isso frequentemente significa que as empresas públicas não possam só operar em termos comerciais e que várias delas dependam de subsídios e assistência do governo; também existem subvenções cruzadas em que o aspecto rentável de uma empresa pública pode financiar atividades não rentáveis ainda que socialmente importantes. Desse modo, existe o risco de que a seção do TPPA sobre empresas públicas previna ou obstaculize as funções socialmente úteis desse tipo de empresas.

Os que propõem adotar uma seção de empresas públicas argumentam que as empresas estrangeiras não podem competir de maneira justa com elas; querem que o TPPA elimine ou reduza as “vantagens” das empresas públicas. Mas isso poderia ameaçar a sobrevivência do sistema que tem ajudado a impulsionar o modelo do leste asiático, uma mescla criativa e dinamicamente cambiante de Estado e mercado.

As negociações sobre o TPPA ainda continuam e um texto na seção das empresas públicas, todavia, não é definitivo, daí que há margem para que as diferentes perspectivas se expressem. Há muito em jogo e é importante que mais informação sobre as negociações, incluindo o referente às empresas públicas, se faça disponível.

Este artigo foi inicialmente publicado em [ThirdWorld Network->twnside.org.sg] e em [Triple Crisis->http://triplecrisis.com/].

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