Há os que apresentam a robotização como o conflito do futuro: trabalhadores versus máquinas. Grotesco erro ou deliberado intento de desviar o olhar do conflito de interesse que se reproduz com a robotização. A robotização pode e deve ser canalizada melhor (por exemplo, contribuindo para a geração de outros empregos para substituir os que são eliminados) mas não é, por si, um fato deplorável. O deplorável é que os lucros extraordinários que gera sejam apropriados por um punhado de grandes corporações e não pelas sociedades que, de uma forma ou outra, tornam possível o desenvolvimento laboral, comercial, científico e tecnológico que sustenta a robotização.
A robotização é um tema amplo e complexo. Nestas linhas, abordamos alguns de seus aspectos principais oferecendo uma visão sobre o que traz a robotização, quem se prejudica com ela, quem se apropria de seus resultados e como conviria encará-la se o propósito fora assegurar equidade e promover um desenvolvimento sustentável.
O que a robotização traz
O processo de automatização com robôs tecnológicos dá marcha a uma profunda transformação produtiva: permite melhorar processos produtivos aumentando sua velocidade e controlando eventuais erros, reduz riscos de realizar tarefas repetitivas ou perigosas, permite alcançar maiores sucessos que os obtidos utilizando somente a habilidade das pessoas.
Essa substituição da força de trabalho por robôs tecnológicos produz uma diversidade de efeitos econômicos. Um deles é que aumenta a produtividade do trabalho, uma vez que se obtêm iguais ou melhores resultados com menor força laboral. Do ponto de vista corporativo, se substitui “custo” laboral por custo de maquinaria com o ânimo de lograr aumentar ou, ao menos, sustentar sua taxa de lucro. O impacto humano causado pela substituição de trabalhadores não costuma condicionar, menos ainda submeter, o permanente afã de maximizar resultados (há, por certo, honrosas exceções).
Os setores com maior grau de robotização incluem o automotor, o eletrônico, a metalurgia e a fabricação de maquinários; também cresce sua utilização no interior dos lares e como apoio da atividade médica, legal, contábil e de outras profissões.
Quem se prejudica e quem se favorece
Na primeira instância, prejudicam-se os trabalhadores que são substituídos por robôs tecnológicos e, se não se agir sobre como se distribuem e aplicam os resultados da robotização, esse impacto longe de ser compensado aceleraria o processo de concentração do poder econômico e de decisão. Se não houver políticas e regulações que realoquem os resultados desse tremendo salto tecnológico, os efeitos podem afetar seriamente o planeta e seus habitantes.
O que deveria ficar claro é que não há uma só forma de robotização como, uma vez mais, se nos querem fazer crer. A robotização não é tão somente um processo de técnicas de engenharia, mas também e mais importante, uma construção social; como tal, pode se depreender de muitas maneiras em função da correlação de forças que predomine no mundo e em cada sociedade.
Por outro lado, o processo de robotização não se inicia nas últimas décadas mas muito antes; o que ocorre é que se acelerou enormemente ao impulso do desenvolvimento científico e tecnológico. Este particular tipo de desenvolvimento tecnológico tem sido em boa parte orientado pelo afã do lucro de quem disporia e dispõe do financiamento para sustentá-lo. Entretanto, o dramático é que uma enorme maioria dos avanços em pesquisa básica e aplicada foram, e seguem sendo, financiados com recursos públicos administrado pelo Estado. Um Estado tal que o poder econômico concentrado condiciona e com frequência controla; de tal forma o faz, que logra finalmente se apropriar dos principais resultados do desenvolvimento científico e tecnológico que a sociedade toda financia. Se a isto agregamos que grandes corporações praticam extensamente a evasão ou elusão tributária, com o que o resto dos contribuintes suporta o maior peso tributário, fica clara a desigualdade social que está na base do processo concentrador contemporâneo. Se estima que grandes corporações evadem 500 bilhões de dólares em impostos a cada ano (ver citação na seção Reflexões).
Ou seja, o efeito da robotização será um ou outro segundo o contexto sócio-político em que se desenvolve; uma obviedade que se procura mascarar desviando o olhar para uma suposta luta dos trabalhadores contra as máquinas. É certo que há uma luta de interesses mas esse conflito se dá entre atores sociais e não das pessoas contra as máquinas.
No atual sistema econômico, a robotização favorece e reforça o poder concentrado; algumas corporações se tornam mais eficientes, reduzem custos e aumentam suas taxas de lucro. Nesse segmento do aparato produtivo se beneficia uma fração de trabalhadores que tem a capacidade de conduzir, administrar e assegurar a manutenção de máquinas e processos produtivos. Sua produtividade cresce e com isso a possibilidade de acessar a melhores remunerações. Produz-se uma crescente diferenciação entre trabalhadores melhor recompensados e aqueles que não acessam aos setores com crescente produtividade. Se isso não se equilibra, como se propõe nas linhas que seguem, a robotização acentuar[a cada vez mais as desigualdades existentes.
Como encarar a robotização no contexto de assegurar equidade e desenvolvimento sustentável
Se os objetivos adotados por uma sociedade fossem direcionados para assegurar equidade e desenvolvimento sustentável, deveriam ser redistribuídos com justiça e efetividade os resultados derivados da robotização. Há muitas formas de fazê-lo e cada país pode escolher a modalidade que preferir.
Uma opção é impor um tributo aos ganhos extraordinários gerados pela robotização. O mesmíssimo Bill Gates adere a esta possibilidade: “hoje o trabalhador que cobra 50.000 dólares em uma fábrica paga um imposto por seu rendimento do trabalho, paga à seguridade social e a outras agências. Se um robô vem e faz o mesmo, caberia pensar que cobraríamos igualmente ao robô”. Destaca que a robotização acrescentará à produtividade e os lucros de uma empresa sem que essa maior riqueza se distribua espontaneamente com justiça. Gates designa aos governos a responsabilidade de estabelecer impostos para redistribuir, ainda que seja somente em parte, os frutos do progresso tecnológico. Adverte que se não agir com esse tipo de medidas, os donos das máquinas serão cada vez mais ricos e os trabalhadores, por sua vez, cada vez mais pobres.
Outra perspectiva reconhece que impostos à robotização são difíceis de implementar, pelo que sugerem que o melhor é assegurar um efetivo pagamento do imposto aos lucros desmontando os mecanismos de evasão e elusão tributária utilizados pelas grandes corporações, adicionando, ademais, um imposto por lucros extraordinários.
Publicações como The Economista analisam, inclusive, outras modalidades tributárias em lugar de tributos diretos à robotização, como impostos progressivos sobre a riqueza (não só sobre os lucros), um imposto que taxe a propriedade da terra, e a luta contra os paraíso/guaridas fiscais; também apresenta regular e, inclusive, desmontar os monopólios digitais.
Em qualquer opção, um crítico elemento refere a como assegurar que os recursos assim arrecadados podem efetivamente gerar novos empregos para os trabalhadores substituídos pela robotização, mas também por enormes segmentos que não acessam a empregos dignos. Quem controla os mercados não pode encarar esse desafio mas se aproveitam do incremento de produtividade para acrescentar suas próprias taxas de lucro.
De nosso lado, advertimos que o particular rumo e forma de funcionar imposto ao mundo é o que gera os maiores problemas contemporâneos que são, portanto, de natureza sistêmica e estão ancorados em poderosos interesses, muitos deles antagônicos. Daí que uma tributação justa e progressiva segundo lucros e patrimônios deveria incluir-se em uma mais ampla bateria de medidas complementares orientadas ao bem-estar e ao cuidado do Planeta. O perfil desse conjunto propositivo teria em conta, entre outras, importantes questões como as seguintes.
- Eliminar a evasão e a elusão tributária de grandes corporações e famílias afluentes com uma dupla ação: em nível local, exercendo plenamente a autoridade arrecadadora e ao nível global logrando consistência entre regimes tributários e eliminando as guaridas fiscais.
- Estabelecer impostos compensatórios por redução de pessoal de grandes empresas.
- Formar mecanismos e instrumentos para canalizar recursos para a geração de empregos em setores promissores propensos à robotização, como regimes tributários em setores, laborais e creditícios diferenciados para empreendimentos populares e as pequenas empresas, assim como os fideicomissos Dignidade propostos por Opinión Sur.
- Aprovar reformas tributárias que taxem os afluentes e reduzam a carga tributária para setores populares; isto é, priorizar tributos e lucros, patrimônios, movimentos especulativos do capital financeiro, regalias pela exploração de recursos naturais, retirando a taxação do consumo popular e aumentando impostos sobre o consumo conspícuo.
- Ajudar a estabelecer salários compensatórios alterando a proporção das rendas obtidas pelos donos do capital em favor dos trabalhadores e, quando possível, incluindo participação acionária dos trabalhadores.
- Incluir uma maior redução das jornadas laborais.
- Estabelecer uma destinação universal ou alocações específicas para setores vulneráveis que assegurem a cobertura de necessidades sociais básicas.
- Robustecer as cadeias de valor assegurando equidade com mecanismos de negociação de preços e condições de comercialização entre grandes empresas e todo o resto da cadeia produtiva que lideram.
- Transformar a matriz produtiva de nossos países assegurando seu crescimento orgânico de modo a evitar recorrentes estrangulamento do setor externo e a subordinação a centros externos de decisão.
- Dado que a tendência aponta que robôs e máquinas se encarregarão de um número cada vez maior de tarefas, haverá que repensar o sistema educativo e os centros de formação profissional para valorizar os aportes que os seres humanos seguirão oferecendo, reforçar sua dignidade, autoestima e permanente busca de significação.
Vale encerrar estas linhas insistindo que a robotização não surge do nada nem se insere em espaços vazios, mas faz parte de processos concentradores que é necessário de transformar. Daí que, se bem existem medidas específicas relacionadas com a robotização que podem ser adotadas, não se deve perder de vista que essas medidas seguirão estando condicionadas por um desfavorável contexto. Para transformá-lo, haverá que alterar a presente correlação de forças sociais, um esforço que abarca várias dimensões entre as quais destacamos o estratégico papel que desempenha o desenvolvimento DE cada vez mais efetivas organizações sociais voltadas para a política e um constante avançar em esclarecimento sobre o que ocorre/nos ocorre e por que ocorre o que está acontecendo nos tempos presentes.
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