Imposto sobre o patrimônio e imposto sobre a renda, o encoberto

Em um contexto de extrema concentração da riqueza é imprescindível taxar os grandes patrimônios e as maiores rendas para reduzir a oprobriosa desigualdade e poder financiar a erradicação da pobreza, atender o bem-estar da humanidade e cuidar do meio ambiente. Estes impostos são resistidos por boa parte dos que deveriam pagar, mas como se encobrem as consequências de não estabelecê-los, também se manipulam setores prejudicados para que apoiem seus vitimadores.

Impostos sobre o patrimônio e as rendas taxam muito distintas coisas. O patrimônio tanto de corporações como de pessoas é a riqueza que se possui. Pode se ter logrado em um ano, em mais longos períodos ou tê-lo recebido por herança corporativa ou familiar. Assim, o patrimônio está constituído por um stock ou conjunto de ativos que se foram acumulando. A renda, em troca, não são um stock de ativos mas um fluxo de recursos, alguns são rendas derivadas do patrimônio enquanto que outras constituem compensações logradas por diferentes tipos de trabalho. Vale reter estas importantes diferenciações: uma coisa é taxar um stock de ativos (patrimônio) e outra um fluxo de recursos (renda), fluxo que, por sua vez, se diferencia entre rendas geradas pela riqueza acumulada e compensações por trabalhos realizados.

Há muito encoberto com respeito aos impostos sobre o patrimônio e a renda. Poucos conhecem estas questões e outros muitos as ignoram.

Antes de começar, é importante ressaltar que focalizamos taxar enormes patrimônios e muito grandes rendas. Esses espaços tributários contribuiriam para resolver a cilada gerada pelo processo concentrador, não propomos aumentar a tributação de setores médios e populares. É fundamental diferenciar grandes contribuintes que evitam sua responsabilidade do resto da população que suporta impostos regressivos.

Formação de enormes patrimônios 

A história social e econômica, centenas de pesquisas contemporâneas e um sem número de denúncias mostram que grande parte dos enormes patrimônios foram logrados apropriando-se de riquezas geradas por outros. De verdade, ninguém pode acumular tamanha quantidade de ativos só com seu próprio esforço. Em seguida, procuraremos explicar como o fizeram mas desde o começo cabe advertir que baseados em seu poder e a cumplicidade de setores da justiça e dos próprios responsáveis de regular sua ação, os grupos concentrados conseguiram assegurar-se impunidade encobrindo as modalidades de apropriação utilizadas. É assim que, formados seus patrimônios, os poderosos logo consagram que os mesmos são intocáveis.

No começo, as apropriações se faziam abertamente através de conquistas militares de uns sobre outros. Mais adiante e até nossos dias, se bem a repressão e o silenciamento dos submetidos se mantêm, apareceram outros sutis procedimentos de conquista.

À medida que se acelerou a concentração da riqueza, os poderosos utilizaram seu poder de apropriação de muito diversas formas. De pronto adquirindo competidores e todo novo promissor empreendimento com o qual reforçaram ainda mais sua posição como oligopólios ou monopólios e seguem concentrando a maior parte da riqueza que geram as sociedades, não eles. Aqueles que resistem a ser absorvidos ou integrados são cercados em subordinados espaços ou forçados a quebrar. Desta forma, os cada vez mais poderosos despejam sem pausa sua marcha para uma concentração que creem não terão limites. As consequências deste processo tem sido e seguem sendo terríveis para a humanidade e o planeta.

Cabe agregar que o capital concentrado opera liderando cadeias de valor, isto é, conduz a seu favor as tramas produtivas espremendo seus medianos fornecedores que, por sua vez, fazem o mesmo com os pequenos empreendimentos que subcontratam. Se estabelece assim uma cascada de apropriação que castiga trabalhadores e partícipes mais fracos do processo produtivo. Ao mesmo tempo, as empresas oligopólicas expropriam renda de consumidores pela imposição, na falta de competidores, altos preços pelos produtos que oferecem.

A cobiça não se detém nesse nível. Os grupos concentrados incorrem em evasão e em elusão tributária, isto é, ademais de apropriar-se de recursos gerados por outros atores, eles são relutantes a sua responsabilidade de tributar. Com isso, por um lado desfinanciam o Estado, impossibilitando de prover toda a infraestrutura social e produtiva que a castigada sociedade necessita. Por outro lado, fogem ao exterior as rendas que não declaram como o qual lhe restam ao desenvolvimento nacional recursos para financiar investimentos.

Esta asfixia financeira do Estado faz que não se possa cobrir com recursos genuínos imperiosas necessidades sociais e de apoio a economia popular. Isto gera tremenda pressão sobre as contas públicas (rendas menores que o gasto público) provocando déficit fiscais. Se o Estado fosse controlado por governos neoliberais, longe de procurar desmontar os mecanismos apropriadores consolidam a trajetória concentradora. Entre outras medidas, impõem muito duras restrições do gasto social e levam o país a situações de superendividamento soberano e corporativo, eliminam regulações ao movimento de capitais facilitando o saque de recursos através de leoninas operações especulativas, abrem o país a uma torrente de importações que barre a produção nacional acrescentando a restrição externa (escassez de divisas para adquirir equipes e insumos sociais e produtivos essenciais). Este projeto de país deixa uma fila de pobreza e desocupação, de fissuras e egoísmos, de menosprezo ao tecido social e ao cuidado ambiental. Seu eixo e propósito, concentrar riqueza e poder de decisão.  

Diferenciando altas rendas

Com a riqueza altamente concentrada, desses patrimônios deriva um enorme fluxo de rendas que reforça o processo concentrador. Este fluxo inclui dividendos de empresas que cada grupo concentrado possui, arrendamento de suas terras, aluguel de ativos imobiliários, colocações financeiras, entre tantos outros. Em quase todos os países já existem impostos sobre os lucros, mas como se indicou, feita a lei, feita a armadilha, prima a evasão e a elusão tributária. Sabe-se quem são quem são maiores evasores e os mecanismos que utilizam para materializar sua ação delitiva. O problema é que com seu poder corrompem a fiscalização do latrocínio que cometem e conseguem impor normativas tributárias imperfeitas que aproveitam para minimizar o pagamento de impostos. Uma vez mais fazem legal o ilegítimo, vultosas drenagens que representam um saque que se encarregam de encobrir.

Ao mesmo tempo, a estrutura tributária em países submetidos é altamente regressiva. Em lugar de pagar mais os que mais têm, se estabelecem impostos ao consumo e outros onde ricos e pobres pagam o mesmo; inaudito, mas real. Não faltam declarações a favor de transformar as estruturas tributárias para fazê-las progressivas e, não obstante, pouco se tem avançado neste campo.

Algo parecido ocorre na estrutura do gasto público. Há rubricas de investimento público que favorecem setores acaudalados em obras de infraestrutura viária, de irrigação, de proteção contra incêndios e inundações, acesso a portos, entre tantas outras. Não está mal que se prove esse apoio mas, se os que se favorecem tem recursos para fazer cargo dos custos, é imprescindível aplicar plenamente o mecanismo de contribuição de melhorias. O Estado realiza o investimento e os que podem assumir os custos, o pagam.

Justiça tributária contribuindo para desmontar desigualdades

Em um contexto concentrador sustentado em abusos de poder, manobras ilegais ou ilegítimas, onde se encobrem os mecanismos de apropriação e se manipula a opinião pública, não é simples estabelecer impostos aos enormes patrimônios e eliminar a evasão e elusão que praticam os que obtêm muito grandes rendas. Estão em jogo a equidade, a justiça e o sustento de enormes maiorias populacionais.

Toca encarar um maiúsculo desafio que exige agir em todas as frentes de ação dos países, atendendo sempre as singularidades de cada situação e momento. Não obstante, um denominador comum, que não chega a ser condição suficiente mas sim necessária para construir outro rumo e forma de funcionar, é fazer que os apropriadores paguem pelo cometido, sem acudir à violência alguma, mas com firmeza democrática. Isto faz parte do crítico processo de liberar as democracias que tiverem sido capturadas pelos apropriadores. Algo possível se conseguirem formar poderosas coalisões sociais unidas em sua diversidade e sustentadas com um permanente avanço em esclarecimento e organização social.

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