Empreendedorismo para todos?

O empreendedorismo, apesar de sua aparência inócua, desperta nas pessoas tanto apoio entusiástico quanto profunda rejeição. Se a criação de valor econômico for, como eu inclino-me a pensar, algo tão intrinsecamente humano quanto a criação artística, qual a razão para não considerá-la socialmente valiosa? Com certeza, o empreendedorismo não serve para curar todos os males, mas seus benefícios talvez possam chegar mais longe do que imaginamos.Há pouco tempo, escrevi uma coluna sobre um programa de empreendedorismo nos EUA. O tema não teria nada de especial se não fosse pelo fato de que esse programa é desenvolvido nas prisões norte-americanas e que os alunos são os presos. Mais surpreendente ainda é que o PEP (esse é o nome do programa) conta com o apoio de grandes universidades, como Harvard e Stanford, e com a colaboração voluntária de mais de 800 altos executivos de empresas estadounidenses que trabalham pau a pau com os presos num esforço criativo por facilitar sua reinserção social e econômica após cumprirem sentença.
Ora bem, aquilo que para os fanáticos pelo empreendedorismo, como eu, é uma notícia empolgante, para outras pessoas é simplesmente um exagero. A partir dessa coluna, alguém me disse: “Será que agora todos os males podem ser solucionados por meio do empreendedorismo?” A pergunta é válida: “Será que a promoção do empreendedorismo serve para melhorar o sistema penitenciário? Será que isto engloba todos os tipos de empreendedorismo?
Se considerarmos o assunto nesses termos, a resposta será, quase com certeza, um rotundo NíO. Não existe um remédio de tão largo espectro.
No entanto, suspeito que não é a promoção indiscriminada do empreendedorismo que exacerba os pontos de vista e erige barreiras de proteção e cepticismo em muitas pessoas, senão sua própria natureza (a atividade empresarial). Em outras palavras: o empreendedorismo, apesar de sua aparência inócua, desperta nas pessoas tanto apoio entusiástico quanto profunda rejeição.
Lembro-me de que, há uns cinco anos, os diretores de uma fundação norte-americana voltada à promoção do empreendedorismo comentaram comigo sobre as barreiras e dificuldades que eles tinham atravessado para desenvolver seus programas de ensino empreendedor nas escolas públicas da Argentina. Os pais de muitos alunos, e também alguns professores e diretores, resistiam a permitir as atividades da fundação, alegando que eles não desejavam que seus filhos aprendessem a ser empresários; pois, na sua opinião, os empresários desenvolviam atividades imorais ou antiéticas.
O curioso é que nas escolas privadas (onde a maioria dos alunos provém das camadas sociais mais abastadas) os programas da fundação eram impulsionados entusiasticamente, com base no mesmo critério, mas com uma avaliação diferente: “Eu gostaria que os programas fossem ministrados e que ensinassem a meus filhos a serem empresários”.
O paradoxo desta história?: Os alunos que mais aprendiam e que recebiam uma maior quantidade de ferramentas eram aqueles que menos necessitavam disso.
O exemplo acima serve para demonstrar que nem todo o mundo acredita na necessidade de empregar os mesmos métodos para impulsionar os empreendedores. E nem todos interpretam o termo “empreendedor” da mesma maneira. Para alguns, ser “empreendedor” é aceitável, mas ser “empresário” não o é. Para alguns, “as coisas pequenas são bonitas”, e eles aceitam a atividade empresarial só se o negócio não for crescer demais. Para outros, nehuma atividade empresarial é boa, mesmo que eles não ousem declará-lo publicamente.
Um dos efeitos decorrentes da queda do Muro de Berlim (entre muitos que lhe são atribuídos) é o fato de que já não é tão simples estar contra a economia de mercado. É verdade que esse acontecimento deu origem a um debate interessante sobre a multiplicidade de formas, matizes e modelos que o capitalismo é capaz de admitir. Mas também é verdade que para algumas pessoas o assunto está fora de qualquer discussão: nenhum processo econômico que gere lucros é bom. Porém, como não é fácil sustentar essa idéia publicamente, ela se transforma quase num preconceito, apenas visível no momento de tratar, por exemplo, o tema do empreendedorismo.
Isso faz com que a questão vire objeto de controvérsia quando a gente penetra nela.
Sempre achei que o debate de fundo deve centrar-se na legitimidade moral da atividade empresarial, porque é a partir dessa base conceptual e cultural que será possível implementar instrumentos, programas, ações de promoção, etc.
Se a tensão que subjaz ao empreendedorismo não desaparecer, encontraremos obstáculos e freios culturais, principalmente na América Latina, que farão com que a maior parte da ajuda, da informação e das ferramentas continue a ficar nas mãos daqueles que menos necessitam delas.
Serve o empreendedorismo para melhorar a vida das pessoas que saem de prisão? É provável que sim; pelo menos, assim aconteceu no caso norte-americano. Porém, estamos preparados para aceitar esse tipo de programas e implementá-los numa ampla faixa de âmbitos e segmentos sociais? No fundo, queremos que nossos filhos sejam destinatários desses programas? Acreditamos que eles são úteis para todos ou apenas para uma elite que acabará utilizando esses conhecimentos para tirar vantagem de sua posição?
Se ainda não estivermos convencidos de que a atividade empresarial é legítima (não apenas tolerável ou inevitável, mas sim SOCIALMENTE POSITIVA), então não tem sentido que discutamos quais as ferramentas que iremos utilizar.
Mas se a criação de valor econômico for, como eu inclino-me a pensar, algo tão intrinsecamente humano quanto a criação artística, qual a razão para não considerá-la socialmente valiosa?
Com certeza, o empreendedorismo não serve para curar todos os males, mas seus benefícios talvez possam chegar mais longe do que imaginamos.
Eduardo Remolins

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *