Dinheiro perdido: a luta contra as jurisdições secretas

Estima-se que países em desenvolvimento percam para paraísos fiscais quase três vezes o que ganham com a ajuda de países desenvolvidos. Como são possíveis estes efeitos devastadores? Com a ajuda de “jurisdições ocultas”, tanto indivíduos como empresas podem transferir seu capital e lucros para locais inacessíveis para as autoridades fiscais de seus países. As jurisdições ocultas são usadas não apenas para evadir tributos, mas também para esconder empreendimentos perigosos ou ilegais de livros contábeis de bancos e de outras empresas. Isso ressalta o fato de que a luta contra as jurisdições ocultas é necessária não somente para reaver o dinheiro público, mas também para alcançar a estabilidade financeira global. O que deve ser feito para impedir o uso das jurisdições ocultas?Dinheiro perdido: a luta contra as jurisdições secretas
[[Um post do Triple Crisis de janeiro de 2011 ([www.triplecrisis.com->http://www.triplecrisis.com])]]

As estimativas do total de renda não tributada de pessoas físicas em offshore varia de $7.4 trilhões de dólares (segundo o 2010 Global Wealth Report, ou Relatório da Riqueza Global de 2010 – tradução livre –, do Boston Consulting Group) a $11.5 trilhões de dólares (Tax Justice Network (TJN), ou Rede de Justiça Tributária, em tradução livre). Por definição, é impossível identificar a soma exata, mas estas estimativas são altamente instrutivas. Tomando por base o número do TJN, aproximadamente $250 bilhões de dólares em impostos são, por ano, ilegalmente evadidos. Se esta renda tivesse sido arrecadada entre os anos de 2000 a 2015, ela teria quase que inteiramente financiado o alcance dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio.

A evasão de tributos tem um impacto ainda mais direto em países em desenvolvimento, pois eles são responsáveis pela maioria dos impostos não pagos. James Henry, ex Economista-chefe da McKinsey & Co, estima que por volta de $6.2 trilhões de dólares do montante total em offshore pertencente a pessoas físicas representa dinheiro de países em desenvolvimento. Ele calcula que a falha em tributar esta riqueza priva os países em desenvolvimento de um montante estimado entre $64 bilhões de dólares a $124 bilhões de dólares em renda tributária anual.

As estimativas acima são baseadas na riqueza em offshore de pessoas físicas. Ao incluir o dinheiro movimentado em offshore pelas empresas privadas, a escala da perda facilmente excederia os cerca de $103 bilhões de dólares que os países em desenvolvimento recebem anualmente como ajuda estrangeira.

A fuga de capitais é, também, um problema crescente, com mais $200 bilhões a $300 bilhões de dólares movimentados em offshore a cada ano. O Secretário-geral da OCDE, Angel Gurría, já disse: “Os países em desenvolvimento estimam perder para paraísos fiscais quase três vezes o que ganham com ajuda estrangeira de países desenvolvidos.” E o African Economic Outlook de 2010 destaca: “O desafio dos países africanos e de seus parceiros é acabar com o círculo vicioso da dependência de uma ajuda que transfere a responsabilidade governamental dos cidadãos para os doadores. Em vez disso, eles precisam começar um círculo virtuoso de ajuda trabalhando para se tornarem redundantes ao apoiar a mobilização de recursos públicos.”

Como são possíveis estes devastadores efeitos? Em 2009, o TJN publicou o “Índice de Ocultação de Finanças”, ordenando as 60 – assim chamadas – “jurisdições secretas” mais importantes. O índice identifica as jurisdições que mais agressivamente proveem segredo para as finanças internacionais, as quais mais ativamente evitam a cooperação com outras jurisdições. Com a ajuda destas jurisdições, tanto indivíduos como empresas podem transferir seu capital e seus lucros para locais inacessíveis às autoridades fiscais de seu país natal. Curiosamente, dentre algumas das jurisdições secretas mais ao topo da lista encontramos muitas que são ligadas diretamente a poderosas nações desenvolvidas, como o estado de Delaware, nos EUA (primeiro lugar no ranking) ou a cidade de Londres, (quinto lugar no ranking). Isso revela que o problema dos paraísos fiscais vai além de países pequenos que se recusam a cooperar internacionalmente. As jurisidições patrocinadas pelos Estados Unidos ou pelo Reino Unido estão entre as mais secretas do mundo. Então, não se pode acreditar quando os governos destas nações advogam pelo fechamento dos paraísos fiscais, como fez a cúpula do G20 em Londres em 2009. Lê-se na Declaração dos Líderes: “A era das operações bancárias secretas acabou”. Porém, até o presente, poucas ações foram realizadas para findá-la.

As jurisdições secretas são usadas não só para evadir impostos, mas também para esconder empreendimentos arriscados ou mesmo ilegais do balanço patrimonial de bancos e outras empresas. Isso ressalta o fato de que a luta contra as jurisdições secretas é necessária não somente para recuperar as finanças públicas, mas também para alcançar a estabilidade financeira global. Claro, esta luta deve ser travada juntamente com outros esforços de estabilização do sistema, mas a crise financeira é uma lição crítica. Por exemplo, o Deutsche Bank tem por volta de 500 subsidiárias em jurisdições secretas; apenas nas Ilhas Maurício, um pequeno grupo de ilhas com um opaco sistema bancário, o banco emprega mais de 180 pessoas. Mesmo o Commerzbank, um banco estatal alemão, tem 76 subsidiárias em paraísos fiscais. Assume-se que essas subsidiárias são usadas principalmente para evadir impostos, mas durante a crise financeira, também pudemos observar o outsourcing de empreendimentos arriscados e de passivos às subsidiárias que não podiam ser monitoradas pelas autoridades reguladoras alemãs.

O que deve ser feito para impedir o uso das jurisdições secretas? Como tem sido cada vez mais comum em muitas áreas de políticas públicas, a melhor solução seria uma que fosse global. As jurisdições opacas apresentam um problema de coordenação, pois cada jurisdição tem um incentivo para reter a vantagem comparativa provida por esta opacidade. Entretanto, se todos os paraísos fiscais fossem fechados, todos se beneficiariam.

De fato, entretanto, uma solução global não se encontra à vista. Mas precisamos de novas instituições que ofereçam conhecimento, coordenação de capacidades e possibilidade de nomear quem seja como responsável. Entre outros, a OCDE tem atuado neste papel ao longo dos últimos anos. Contudo, seu critério tem sido muito frouxo: primeiro, o padrão da OCDE recomenda uma certa “troca de informação por demanda”. As jurisdições signatárias de tratados que incluem esta cláusula devem fornecer informação às autoridades fiscais de outro membro do tratado somente quando a demanda deles se basear numa suspeita especiífica. Isto é, porém, dificilmente possível, uma vez que toda a informação está oculta – essa é a definição de uma jurisdição secreta. Segundo, se um país assinar doze destes tratados, ele é removido da “lista cinza” da OCDE, relativa aos paraísos fiscais. Mas o que acontece com a relação deste país com os outros 180 países do mundo? Esta pergunta é especialmente pertinente se o país tenha assinado tratados com outros doze paraísos fiscais. Esse cenário é bem realista.

O primeiro passo para lidar com as jurisdições secretas deveria ser a solicitação de uma troca automática das informações fiscais entre os países da OCDE que estejam na “lista branca”. Esse passo já foi tomado na União Europeia (embora haja muitas cláusulas precisando de melhoramentos). Somente quando houver troca automática de informações, a evasão de impostos e de regulação se tornarão realmente difíceis.

Em um segundo passo em direção à transparência, as nações devolvidas devem requerer que as empresas publiquem relatórios financeiros por cada país em separado. Hoje, as corporações multinacionais reportam apenas relatórios consolidados, tornando impossível analisar onde e como fazem negócios. Os sistemas de relatórios país a país, que poderia ser definido pelo International Accounting Standards Board (IASB), não preveniria o uso de jurisdições ocultas per se, mas forneceria muito mais transparência, tornando possível pressionar as empresas envolvidas com o uso extensivo de jurisdições secretas. Ao final de 2010, uma comissão da União Europeia começou uma primeira consulta sobre isso.

Em um terceiro passo em direção à transparência, os países podem atuar unilateralmente, como a França tem efetivamente demonstrado. O governo francês criou sua própria “lista negra”, usando critérios mais rigorosos que os da OCDE. Um alto imposto quase que proibitivo recai sobre toda transação com uma das jurisdições na lista. Entre outras medidas, a capacidade das autoridades fiscais vem se fortalecendo. Infelizmente, a Alemanha escolheu outro caminho: em vez de manter a pressão pela transparência, Schäuble, o Ministro das Finanças alemão, abertamente assinou um tratado bilateral com a Suíça permitindo que evasores de impostos mantenham-se anônimos e paguem apenas uma taxa constante retendo imposto.

Este é apenas um exemplo que mostra o lento e desigual progresso nesta área e como se dá prioridade às metas fiscais nacionais em detrimento de uma abordagem coordenada para conter a ocultação. Um dos maiores desafios políticos de 2011 será mudar estas prioridades e mostrar que levar transparência às jurisdições secretas é uma resposta tanto para o desenvolvimento como às crises financeiras.

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