Há quem defenda que um crescimento sustentado é a melhor estratégia para assegurar o bem-estar geral e abater a desigualdade e a pobreza. Essa afirmação, repetida com insistência, esconde meias-verdades e outras críticas questões: ocorre que é às vezes certa e, muitas vezes, não, dependendo do tipo de crescimento que se pratique.É um fato em quase todo o mundo que o crescimento global contemporâneo tende para a concentração de ativos e renda em relativamente poucas mãos; isto é, predomina um certo tipo de crescimento – concentrador – que tem determinados efeitos e implicações que são bem conhecidos, alguns dos quais foram abordados em livros e artigos anteriores de Opinión Sur. As estatísticas das Nações Unidas e de outras agências são contundentes: em nível internacional, uns poucos países concentram a riqueza global e, por sua vez, no interior dos países, os setores afluentes constituem uma minoria que coexiste com maiorias populacionais de renda média, baixa e miseráveis.
Daí que o primeiro a destacar é que o tipo de crescimento concentrador que prevalece não resolve, mas reproduz, a desigualdade e, em muitos casos, também a pobreza. Ao mesmo tempo, está se explicitando que podem existir distintos tipo de crescimento pelo que não é apropriado falar nem ponderar o crescimento a seco: cabe distinguir o tipo de crescimento em questão para poder realmente analisar se essa particular forma de crescer favorece o bem-estar geral e leva a abater a desigualdade e a pobreza.
Também é certo que, em países ou localidades que não crescem, ou o fazem languidamente, a situação pode ser igualmente problemática, com a pobreza crescendo e a desigualdade aumentando.
O crescimento econômico é, assim, um conceito genérico que encerra distintos tipos e variedades de crescimento, alguns dos quais podem ser considerados como uma condição necessária, mas não suficiente, para lograr um desenvolvimento justo e sustentável.
As políticas redistributivas convencionais
Para encarar a desigualdade e a pobreza em um contexto de crescimento concentrador, os países costumam acudir a políticas redistributivas que tentam moderar os impactos mais negativos desse tipo de crescimento. Isto é, que o Estado aplica certos mecanismos (impostos, taxas, contribuições, retenção de lucros extraordinários, endividamento interno e externo) para obter recursos que logo destina para financiar infraestrutura social e econômica que provejam serviços básicos a setores atrasados e vulneráveis. O montante de captação de recursos tem claros limites: é que a carga tributária não deveria tornar inviável a produção nacional, nem os níveis de endividamento ultrapassar a capacidade de pagamento das dívidas contraídas. Pelo lado da implementação, igual ao do âmbito privado ou das organizações da sociedade civil, podem aparecer sérios problemas de ineficiência, corrupção ou clientelismo.
Os países afluentes e algumas dinâmicas economias emergentes canalizam cifras significativas para financiar as políticas redistributivas. Com isso, conseguem reduzir em maior ou menor medida os índices de pobreza e indigência através de melhorias ou aumentos de cobertura em educação, saúde, seguridade social, saneamento ambiental, soluções habitacionais. O que quase nunca logram reduzir é a desigualdade, porque os excedentes que os setores afluentes seguem acumulando são consistentemente maiores que os recursos que se canalizam para as políticas redistributivas; os resultados dessa particular dinâmica econômica se mantêm porque sua lógica não é alterada.
Pelas ciências sociais se explica que, iniciado um processo de acumulação de ativos, as vantagens relativas adquiridas pelos que se favorecem com este tipo de crescimento desatam forças não só econômicas, mas também políticas, sociais, comunicacionais, que se entrelaçam e levam a reproduzir as circunstâncias que tornam possível a concentração. Convergem, assim, uma concentração de poder econômico em certos atores que logram obter crescentes vantagens competitivas com respeito aos demais; mercados oligopólicos que possibilitam que alguns atores obtenham ganhos extraordinários a expensas do resto; uma correlação de forças políticas que impede de adotar reformas impositivas profundas mantendo a regressividade do sistema tributário; a vigência de frouxas regulações da atividade econômica que possibilitam condutas abusivas ou delitivas; a reprodução de mecanismos que permitem certas empresas e organizações delitivas evadir normas e responsabilidades legais de modo a maximizar benefícios e lavar dinheiros mal havidos; a concentração dos meios de comunicação, que facilita impor agendas e condicionar a opinião pública e a ação governamental.
Vale pontuar que as políticas redistributivas podem se utilizar tanto para diminuir efeitos não desejados de um crescimento concentrador sem modificar sua natureza como para, ao contrário, acompanhar e reforçar esforços que procurem transformar essa forma de crescer. Tão distinta funcionalidade dependerá da orientação que se esteja imprimindo ao desenvolvimento nacional já que é nesse contexto que se definem os objetivos que as poíticas redistributivas haverão de perseguir.
Portanto, assim como há distintos tipos de crescimento econômico, também podem ser adotados distintos tipos de políticas redistributivas, uma dupla obviedade que, surpreendentemente, é com frequência ignorada.
Um objetivo adicional para as políticas redistributivas: financiar a formação de capital em setores atrasados
Perguntamo-nos, então, como, a partir do âmbito das políticas redistributivas, se poderia incidir para avançar para um crescimento econômico justo e vigoroso que sirva de embasamento para um desenvolvimento sustentável.
Uma opção transformadora da maior importância é canalizar uma parte significativa do que se quer redistribuir para a formação de capital nos setores majoritários que recebem pouco ou muito pouco dos resultados do crescimento econômico contemporâneo. O propósito é mobilizar o talento e a potencialidade produtiva que se aninha nesses setores absurdamente desaproveitados e, com isso, lograr vários efeitos ao mesmo tempo: contribuir para o desenvolvimento econômico local, melhorar a distribuição de renda e reduzir paulatinamente a dependência das próprias políticas redistributivas.
Esta ação redistributiva não se esgota tão somente em canalizar financiamento para os setores majoritários: requer fazê-lo efetiva e responsavelmente, assegurando sustentabilidade às soluções produtivas adotadas e promovendo atores econômicos que não afetem o meio ambiente e a coesão social. Existem, para isso, mecanismos e engenharias de negócios disponíveis que permitem articular pequenos produtores hoje dispersos com sócios estratégicos e investidores de capital – todos comprometidos com um rumo de crescimento com inclusão – em empresas de médio porte que desempenham com efetividade logrando acessar a melhores oportunidades. Isto inclui o empreendimentos inclusivos e as desenvolvedoras que os promovem, temas que Opinión Sur vem trabalhando há alguns anos.
Esta ação transformadora se caracteriza, então, por: (i) orientar recursos para a base da pirâmide social de modo a promover sua mobilização produtiva; (ii) dada a envergadura dos desafios a enfrentar, a ação necessita ser de ampla cobertura e não limitar-se a encarar uns poucos projetos; (iii) para assegurar efetividade, aponta pra estabelecer empreendimentos em setores promissores e com adequadas produtividades; e (iv) promove a emergência de atores econômicos responsáveis que em sua ação cuidem do meio ambiente e fortaleçam a coesão social. O propósito último é conseguir uma massiva, efetiva e responsável mobilização produtiva das maiorias hoje postergadas ou marginalizadas, mobilização que se constitui em um dos sustentos de um crescimento não concentrador.
O desdobramento da s políticas redistributivas
As políticas redistributivas são geridas pelo Estado mas, para serem efetivas, necessitam envolver uma diversidade de atores e, portanto, desdobrarem-se em vários níveis: (i) em nível das políticas macroeconômicas (de gasto público; tributárias; monetárias; científicas e tecnológicas), de modo a ajustar sua orientação para atender com efetividade os interesses e necessidades da base da pirâmide social; (ii) no nível da promoção de mudanças na conduta mesoeconômica dos que lideram cadeias produtivas que incidem decisivamente sobre as compensações salariais e demais condições laborais, têm a capacidade de promover o desenvolvimento orgânico de todos os integrantes de sua cadeia de valor e, com suas decisões operacionais e de investimento, podem gerar efeitos positivos ou negativos sobre o contexto social em que se desenvolvem; (iii) em nível das ações de apoio direto aos setores atrasados para financiar e estruturar adequadamente seu acesso à formação de capital da qual derivar melhores rendas; e (iv) no nível dos formadores de opinião pública (meios de comunicação, organizações, da sociedade civil, movimentos sociais) com o propósito de assegurar respaldo cidadão à adoção de um rumo de desenvolvimento justo e sustentável.
As medidas que implementam as políticas redistributivas têm diferentes alcances. Algumas medidas impactam quase todos os setores de baixa renda, como um maior ou menor gasto em educação primária, colégios técnicos, centros de saúde e hospitais, saneamento ambiental e segurança de seus vizinhos. Outras medidas têm, em vez, impactos diferenciados como, por exemplo, melhorias salariais e de condições de trabalho que beneficiam preferencialmente trabalhadores registrados, só indiretamente trabalhadores informais e não beneficiam desocupados e indigentes que realizam trabalhos ocasionais de subsistência.
No que consta em promover a formação de capital nos setores da base da pirâmide social, há muito por considerar. A política econômica geralmente apresenta a necessidade de incrementar o investimento e a formação de capital em todos os setores, às vezes priorizando aquelas considerados mais promissores e estratégicos para o desenvolvimento do país. O que nem sempre se explicita é quais atores sociais participam desse incremento do investimento e, em particular, como os setores majoritários poderão canalizar uma parte da poupança nacional para financiar sua própria formação de capital contribuindo, assim, para abater a desigualdade e reforçar a sustentabilidade socioeconômica do crescimento.
Daí que não é suficiente tão somente determinar que nível de formação de capital é necessária para sustentar um certo nível de crescimento (por exemplo, 5% de variação anual do PIB), mas também considerar a composição do novo capital que se agrega à economia. O tipo de formação de capital que prevalece terá implicações em vários aspectos: desde o grau de crescimento orgânico logrado até como e em que magnitude os diferentes atores aproveitam os efeitos dos novos investimentos.
Ao considerar essa dupla vertente de efeitos (sobre o crescimento e a distribuição da renda) derivados do tipo de formação de capital adotado, passamos a trabalhar já não com uma, mas com um conjunto de condições necessárias para nos aproximarmos da utopia referencial de alcançar um desenvolvimento justo e sustentável.
Opinion Sur



