Trabalhando para os poucos: sequestro polí­tico e desigualdade econômica

Em novembro de 2013, o Fórum Econômico Mundial lançou seu informe “Perspectivas da Agenda Global para 2014”, em que classificou o aumento das disparidades de renda como o segundo maior risco mundial nos próximos 12 a 18 meses. Baseado nas entrevistas, a desigualdade está “impactando a estabilidade social nos países e ameaçando a segurança em escala global.” A Oxfam compartilha esta análise e deseja ver o Fórum Econômico Mundial em 2014 estabelecer os compromissos necessários para combater a crescente onda de desigualdade.Alguma desigualdade econômica é essencial para promover crescimento e progresso, recompensando os que têm talento, capacidades desenvolvidas com empenho e com ambição para inovar e ter riscos empresariais. Entretanto, os níveis elevados de concentração de riqueza de hoje ameaçam excluir centenas de milhões de pessoas da realização dos benefícios de seus talentos e trabalho duro.

A extrema desigualdade econômica está prejudicando e preocupando por várias razões: é moralmente questionável; pode ter impactos negativos no crescimento econômico e na redução da pobreza; e pode multiplicar problemas sociais. Agrava outras desigualdades, como aquelas entre mulheres e homens. Em muitos países, a desigualdade econômica extrema é preocupante (nota 2) por causa do impacto pernicioso que a concentração de renda pode ter sobre uma representação política mais igualitária. Quando a riqueza sequestra a elaboração de políticas governamentais, as regras pendem a favor dos ricos, frequentemente em detrimento de quaisquer outros. As consequências incluem a erosão da governança democrática, o esgarçamento da coesão social, e o desaparecimento das oportunidades iguais para todos. A menos que corajosas soluções políticas sejam instituídas para frear a influência da riqueza sobre a política, os governos irão trabalhar para os interesses dos ricos, enquanto que as desigualdades econômicas e políticas continurão a aumentar. Como disse a ministra da Suprema Corte americana, Louis Brandeis, com ampla repercussão: “podemos ter democracia, ou podemos ter riqueza concentrada na mão de poucos, mas não podemos ter os dois.”

A Oxfam está preocupada pois, se não observados, os efeitos são potencialmente imutáveis, e levarão ao “sequestro da oportunidade” – em que menores impostos, melhor educação e melhor saúde pública são usados pelos filhos dos ricos. Isso cria ciclos de vantagens, dinâmicos e que se reforçam mutuamente, e que são transmitidos através das gerações.

Dada a escala da crescente concentração de riqueza, o sequestro de oportunidade e a representação política desigual são tendências sérias e preocupantes. Por exemplo:

• Quase metade da riqueza mundial está agora nas mãos de apenas 1% da população.

• A riqueza do 1% mais rico soma US$ 110 trilhões. Isso é 65 vezes a renda da metade inferior da população mundial.

• A metade inferior da população mundial possui o mesmo que as 85 pessoas mais ricas do mundo.

• Sete de cada dez pessoas vivem em países cuja desigualdade econômica aumentou nos ultimos 30 anos.

• O 1% mais rico aumentou sua porcentagem na renda em 24 dos 26 países dos quais temos dados entre 1980 e 2006.

• Nos EUA, o 1% mais rico sequestrou 95% do crescimento pós-crise financeira desde 2009, enquanto que os 90% da metade inferior ficaram mais pobres.

Essa concentração massiva de recursos econômicos nas mãos de poucos apresenta uma ameaça significativa a sistemas políticos e econômicos inclusivos. Em vez de se moverem juntas, as pessoas estão cada vez mais separadas pelo poder político e econômico, inevitavelmente elevando as tensões sociais e aumentando o risco de colapso social.

A pesquisa mundial da Oxfam capta as crenças de muitos de que as leis e regulações estão agora desenhadas para beneficiar os ricos. A pesquisa em seis países (Espanha, Brasil, Índia, África do Sul, o Reino Unido e os Estados Unidos) mostrou que a maioria das pessoas acredita que as leis são elaboradas em favor dos ricos – na Espanha, oito de cada dez pessoas concordou com esta afirmação. Outra pesquisa recente da Oxfam com pessoas de renda baixa nos Estados Unidos revela que 65% acreditam que Congresso vote leis que predominantemente beneficiam os ricos.

O impacto do sequestro político é notável. Países ricos e pobres são igualmente afetados. Desregulamentação financeira, sistemas tributários distorcidos e normas que facilitam a evasão, austeridade econômica, políticas que desproporcionalmente prejudicam as mulheres, e a renda sequestrada de petróleo e minérios são exemplos deste relatório. Os breves casos incluídos procuram, cada um, oferecer um significado de como o sequestro político produz uma riqueza mal adquirida, o que perpetua a desigualdade econômica.

Esta tendência perigosa pode ser revertida. A boa notícia é que há exemplos claros de sucesso, tanto históricos quanto atuais. Os Estados Unidos e a Europa, nas três décadas depois da Segunda Guerra Mundial, reduziram a desigualdade enquanto cresciam com prosperidade. A América Latina vem reduzindo significativamente as desigualdades na última década – por meio de impostos mais progressivos , serviços públicos, proteção social e trabalho decente. É central para esse progresso as políticas populares que representam a maioria, em vez de serem capturadas por uma muito pequena minoria. Isso tem beneficiado a todos, tanto ricos quanto pobres.

Recomendações

Os que se reúnem em Davos no Fórum Econômico Mundial têm o poder de inverter a crescente desigualdade. A Oxfam lhes pede que se comprometam a fazer:

• Não permitir a evasão de impostos em seu países ou nos países em que tiverem investimentos e operem, usando-os como paraísos fiscais;

• Não fazer uso de sua posição econômica para obter favores políticos que minam a determinação democrática de seus concidadãos;

• Tornar de conhecimento público todos os investimentos em companhias e holdings quando forem os beneficiários finais;

• Apoiar impostos progressivos sobre a riqueza e a renda;

• Desafiar os governos para que usem os impostos para proverem saúde pública universal, educação e proteção social para os cidadãos;

• Exigir um salário digno em todas as companhias de que sejam proprietários controlem;

• Desafiar outras elites econômicas que se unam a eles nestas propostas.
Recomendações de políticas públicas

A Oxfam vem recomendando políticas em vários contextos objetivando o reforço da representação política dos pobres e da classe média para que maior igualdade seja atingida. Essas políticas incluem:

• Um objetivo global para extinguir a desigualdade econômica em todos os países. Esse seria um grande componente para as diretrizes pós-2015, incluindo um monitoramento consistente em todos os países da porcentagem da riqueza que vai para o 1% mais rico.

• Forte regulamentação dos mercados para promover crescimento sustentável e equitativo; e

• Reduzir o poder dos ricos de influenciar para seu próprio proveito os processos políticos e a elaboração de políticas.
Alguns pontos iniciais da experiência dospaíses em desenvolvimento

A particular combinação de políticas requeridas para reverter as crescentes desigualdades deve se adaptar aos contextos nacionais. Mas alguns países desenvolvidos e em desenvolvimento que conseguiram reduzir a desigualdade econômica nos proporciona alguns pontos de partida sugeridos, notadamente:

• Tomar medidas enérgicas em matéria de segredo fiscal e da evasão de impostos;

• Transferências redistributivas e reforço dos esquemas de proteção social;

• Investimento no acesso universal à saúde pública e à educação pública;

• Imposto progressivo;

• Reforço dos pisos salariais assim como dos direitos trabalhistas;

• Remover as barreiras para garantir direitos e oportunidades iguais para as mulheres.

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Ricardo Fuentes-Nieva e Nicholas Galasso

[www.oxfam.org->www.oxfam.org]

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