Reflexões

Sobre a infâmia

Os proprietários daquela terra trabalhadora e daquelas negrarias eram senhores de cabelos longos, ociosos e ávidos, que habitavam amplos casarões com vista para o rio — sempre com um pórtico pseudogrego de pinho branco. Um bom escravo custava-lhes mil dólares e não durava muito. Alguns cometiam a ingratidão de adoecer e morrer. Era preciso arrancar daqueles seres instáveis o maior rendimento. Por isso os mantinham no campo desde o primeiro sol até o último; por isso exigiam das fazendas uma colheita anual de algodão ou tabaco ou açúcar. A terra, cansada e manuseada por aquela cultura impaciente, ficava em poucos anos exaurida: o deserto confuso e barrento metia-se nas plantações.

Jorge Luis Borges, de “História Universal da Infâmia” [N.T.: extraído da edição Companhia das Letras, trad. Davi Arrigucci Jr., 1ª ed. 2012].

 

Sobre deter a primavera

Poderão cortar todas as flores, mas não poderão deter a primavera.

Pablo Neruda

 

Sobre o medo urbano

O medo gera isolamento e a vida social se enruga e endurece. A cidade se transforma em um lugar de habitação e não de vida. Se segregam os espaços de trabalho, comerciais, de tempo livre. O espaço público é só lugar de passagem. A energia urbana se metaforiza na pura circulação, se trata de chegar, de não se deter; de circular, não de deambular.  Passam a ganhar importância as práticas de reclusão em espaços íntimos e só os jovens conservam vivos alguns lugares da cidade para transladar e se reunir fora do privado.

Claudia Laub

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