Marionetes e Titeriteiros: o horrí­vel encanto de enganar os jovens

Cada nova geração de meninos e meninas surge no mundo de acordo com o que lhes reserva a sorte. Está escrito que escolherão seus caminhos. Pularam, sem transição, em um campo aberto e perambulam descuidados pela campina. . Os titeriteiros os caçaram sem problemas, carne macia e jovem sempre foi alvo fácil para os predadores da campina. Mostraram-lhes montanhas virtuais e lhes disseram que encima havia cumes. E como a molecada quis experimentar, deram para eles alturas em cápsulas. Disseram-me que apenas na manada e com os suplementos é possível aplacar a solidão, a apatia, os vazios; que o fogo de hoje queima mais. Canalhas que lucram com a esperança. Molecada que não pode imaginar as lágrimas do beco sem saída. Como receber-los e ser recebidos? Cada nova geração de meninos e meninas surge no mundo de acordo com o que lhes reserva a sorte. Chegam com a potencialidade do novo, da coragem ainda invicta, do talento de seus jovens neurônios e vocações, com a determinação dos riscos imensurados.

Foram por gerados por nós, mas não nos pertencem. Os educamos como soubemos ou pudemos, mas está escrito que escolherão seus caminhos. Tivemos vontade de colocar nas suas mochilas tudo o que consideramos indispensável para uma travessia que apenas imaginamos.

Sobre eles choveu toda a tecnologia que produzimos e hoje são eles que nos ensinam a operá-la. Falamos para eles sobre o sentido dos dias, aquele sentido retraído que se esvai em um passo e se reafirma em outro, que apazigua sem de fato notar a sede insaciável de transitar e de conhecer apenas o novo. Talvez escutassem, mas não havia maturidade para entender. E ali saíram.

Ao dobrar a esquina bateram de frente com uma liberdade inesperada em um bairro desprotegido, assim como aconteceu conosco; porém, desta vez, os enganos foram outros e os titeriteiros também eram diferentes.

Arrancaram com o empurrão daquele que acaba de descascar seu envoltório familiar; como sempre aconteceu (nos lembramos?). Saíram em disparada com suas próprias angústias e temores, com seus machucados e abandonos, com seu celular e suas mensagens de texto, conectados na internet por seus umbigos, apressados, impacientes com nossa impaciência. Pularam com agilidade os arames farpados que antes custava esforço deixar para trás. Sem transição, se encontraram em um campo aberto. Respirando noitadas fora do controle, úmidos de adrenalina, vulneráveis aos riscos. Os titeriteiros os caçaram sem problemas, carne macia e jovem sempre foi alvo fácil para os predadores da campina.

Mostraram-lhes montanhas virtuais e lhes disseram que encima havia cumes. E como a molecada quis experimentar, deram para eles alturas em cápsulas. “Quer ficar numa boa? Eis um pouco de falsidade instantânea.” “Você quer fazer parte da manada? Com isto, fique à vontade para se incorporar.” “Precisa de mais hoje, amanhã, nos finais de semana? Toma, aspira, traga.” “Você descobriu seu novo corpo, que já não é de criança, e não sabe como usá-lo? Dispa-se, mostre-se e vamos ao rodeio, que lá você não tem que pedir permissão a ninguém.”

Não se requer autorização para perambular pela campina, apenas poses, estender a mão e aspirar de forma compulsiva ser rapidamente feliz. Para que fazer esforço? Qual foi o imbecil que resolveu beatificar o esforço? Se tudo se acomoda com umas tragadas, uns goles e ao abraçarmos os amigos que acreditamos ser de ferro, porque dizem que nos acompanharão em tudo, em todas e para sempre. Desconhecem as dissimulações da rua, os esquecimentos dos grupos, a indiferença da manada, o manusear dos titeriteiros.

Estão rodeados de imediatismo e facilidades. Por que postergar um prazer se temos hedonismo em abundância, empacotado em sacolinhas? Agora é ordem. Como o café instantâneo, como a comunicação instantânea, como a relação instantânea, como a nudez instantânea. Você desobedece com gosto, se sente mais adulto que os adultos estúpidos e passa a noite esperando o amanhecer enquanto os idiotas dormem. Depois volta arrastando os pés para a casa, pernoitado, acreditando ser feliz ainda que, apesar de tudo que você ingeriu e tragou, algo lá dentro vai te dizendo que ainda não é suficiente, que você é todo poroso, que terá que recarregar, porque perdeu em minutos o que você levou horas para tomar. E de onde vêm essas cócegas de insatisfação que te acompanham por todos os lados se você está se divertindo como louco? (ou não é assim?), se você se enroscou com um qualquer (não era o que você queria?), se você ingeriu risco e com isso seu coraçãozinho se sentiu menos amassado por umas horas (não incomodem com dor na alma).

Quis entender e perguntei1. Disseram-me que apenas na manada e com os suplementos é possível aplacar a solidão, a apatia, os vazios. O resto assiste da platéia, mas não sentem. É que são sacudidas fortes que alugam e não há perspectiva de outro rumo, nem da futilidade deste. Vale mais amordaçar o desconcerto e tomar emprestada a gargalhada dos demais, porque se eu choro ou não entendo sou um pivete que ninguém leva a sério. Você sabe que as coisas que podem te fazer mal, estão em suas mãos (nas suas palavras) e que ninguém pode te impedir, porque os pais nem se dão conta. Caso tomassem conhecimento, pronto, tchau; mas tardam em cair em si e, quando se enfurecem, já está instalada a nova cultura e os argumentos para defendê-la e justificá-la. O fogo de hoje queima mais.

Os titeriteiros dançam como se estivessem coordenados, lucram com o engano e murcham a molecada. Atiram pedras e escondem a mão. Alguns conseguem. São os chefes da droga e seus cúmplices protetores, são os disseminadores culturais do despropósito, do vazio, da mensagem enganosa de algumas publicidades, são aqueles que pelos meios de comunicação instalam a “normalidade” paralisante, o desapego e os cantos de sereias que raptam o imaginário juvenil e consagram a transgressão e alienação.

O trabalho sujo é feito pelos traficantes dos bairros, pelas discotecas que disponibilizam o cenário perfeito, pelos quiosques de cada esquina que camuflam o álcool e vendem o proibido para os menores de idade. Também o fazem os pais que perdoam, que não acompanham, que não estão ou estão atordoados.

O repórter escreve: “Faz quarto ou cinco anos que a pasta base, antes um mero resto químico da cocaína, se transformou em uma mercadoria de primeira ordem e se massificou nas zonas marginais. (…) Nos seus consumidores, o primeiro efeito é a euforia e, logo, a fissura, não tarda nada em transformá-los em viciados. Rapidamente entram em uma fase de alucinações, paranóias e agressividade selvagem. São conhecidos como os mortos vivos. São como vampiros de um elixir que se mistura com lascas de metal e cinzas, que se arma com latas furadas e que conduz à morte cerebral em seis meses. A latinha os deixa erráticos e violentos, e o desespero para conseguir dinheiro, os transforma em assassinos vorazes”2. Encerra seu artigo imaginando o pároco da rua da morte caminhando pelas calçadas de seu labirinto e conclui de forma simples, com o coração apertado: ”que padre teimoso, não sabe se render”.

Quando carreguei tudo o que podia carregar na minha angústia, pensei; pensei como podemos sair deste pântano (porque se ficamos aí nos afundamos cada vez mais), como dar a mão a esta maravilhosa juventude que se tornou vítima. Não é possível abandoná-los, não tenho estômago para isso. Virei a cara até quando pude. Hoje as risadas das marionetes me inundam de tristeza e o sarcasmo dos titeriteiros me transtorna. Molecada que quer se convencer que está a toda, impossível que imaginem as lágrimas do beco sem saída. Canalhas que lucram com a esperança.

Pensei em planos e ações sistêmicas, porque essa é a maneira que penso e entendo, e estou certo de que existem essas saídas. Depois olhei minhas mãos e me perguntei o que elas fizeram. Reconheci as mães que lutam nos bairros por seus filhos ou, quando os perderam, pelos filhos dos demais; padres, pastores, rabinos de vilas e bairros, movimentos sociais, organizações de apoio, policiais honestos – e não os outros, fiscais, juízes e funcionários de verdade – não aqueles, todas as lágrimas secas. Temos muito mais a fazer. Pais, amigos, outros parentes.

É no dia-a-dia que devemos nos abrir ainda mais para os jovens. Escutar para compreender e não predicar, aprender com eles para saber ajudar. Sempre dói admitir que eu também tenho que mudar, e não apenas a molecada; que não posso mais me direcionar a eles como detentor da verdade, mas sim em uma posição de busca conjunta, com seus códigos e imaginários. Aceitar que cada um procura construir sua própria identidade, buscar e erguer-se por si mesmo.

Será que a própria molecada poderá ajudar a encarar sua limpeza? Saberá reconstruir seus grupos, afastar a carniça, reconhecer-se na penumbra? Simplesmente esperar, não é suficiente. Poderão aceitar a ajuda daqueles que se relacionam com eles, não se afundar nas áreas de maior risco; proteger-se dos titeriteiros sempre pobres de compaixão; ressurgir jovem e não mais marionete?

Como compartir isso com os meninos e meninas do bairro, com as vítimas da nossa aldeia global? Como recebê-los e ser recebido? Como abraçar-nos bem forte? Tomara que possamos – como aquele antes mencionado – ser tão teimosos quanto se faça necessário e que não saibamos nos render.

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1. Agradeço muito os ricos comentários oferecidos por Marina Stern.
2. Jorge Fernández Diaz, El párroco de la calle de la muerte, nota publicada em La Nación, Argentina, em 23 de abril de 2009

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