Enquanto a Europa meridional está em depressão e sujeita às cartadas políticas, a Alemanha (e a Europa setentrional) estão complacentes. A Alemanha ganha dos dois jeitos porque sustentou seu próprio crescimento ao emprestar para o sul, e agora que os clientes não podem pagar seus débitos, a imposição da austeridade liderada pelo país ajudará a resolver a iminente queda nos empregos do Quarto Reich.A História, disse Marx, às vezes se repete: da primeira vez, como tragédia, a segunda vez, como farsa. Em recente artigo para o londrino Financial Times, Gideon Rachman (“Europe’s crisis is breeding comedians, not fascists”, de 5/3/2013), acertou ao mostrar as ostensivas diferenças entre o novo populismo na Europa e o fascismo à moda antiga. Beppe Grillo, o comediante, não é Benito Mussolini, nem o Amanhecer Dourado grego a cópia dos velhos Nacional-socialistas. A Europa moderna tem pouco apetite para agressões militares, e “ameaças vermelhas” já se esvaneceram. Mas aí é onde as diferenças acabam e as similaridades começam. Faz-se necessário reler o conto de Thomas Mann, Mário e o mágico. Mann descreve uma viagem à Itália em que o narrador vê que as pessoas caem vítimas de um hipnotizador que usa seus poderes mentais de um modo fascista para controlar sua plateia. Do mesmo modo que no ano passado, amplos setores da população encaram o declínio acentuado de seu padrão de vida. Do mesmo modo que no ano passado, por um certo tempo alguns deles irão se mobilizar em protestos abastecidos por demagogos que podem conquistar algum poder. Alguns países irão, então, aceitar regimes que podem ter alguma semelhança não com a Itália do Duce, mas com o Portugal de Salazar. Mais cinco anos de más políticas ao sul da Europa e a maior parte desta jovem geração terá ido embora – para outros países estrangeiros ou para uma amarga meia idade em casa. Os mais velhos terão se tornado pensionistas empobrecidos em busca de uma mínima segurança contra imigrantes que serão ao mesmo tempo necessários e detestados. O populismo de direita vai continuar a aumentar enquanto as oportunidades diminuem.
Enquanto isso, os melhores e mais brilhantes da periferia europeia estão migrando para a Alemanha, onde encontram as mesmas oportunidades que em casa lhes foram negadas. A revista alemã Der Spiegel (de 28/2/2013) dá que os primeiros membros da geração baby boomer, as crianças do milagre econômico alemão, estão agora se aposentando. O país precisará de cerca de 5,5 milhões de trabalhadores capacitados em 2025. As empresas nas regiões prósperas da Alemanha já estão se ressentindo dessa falta hoje. A crise nos países do sul europeu cai como uma luva para preencher essas vagas de pessoal qualificado. Como reporta a equipe do Der Spiegel, “(…) jovens, bem educados e poliglotas, eles são precisamente o que a economia alemã precisa para assegurar o sucesso no futuro. O país tem o trabalho perfeito se quiser que esses ‘enviados de deus’ permaneçam”.
Por uma década a Alemanha se beneficiou de uma moeda única e emprestou dinheiro livremente às menores economias da Europa. Suas exportações em euros eram mais baratas do que seriam com o forte marco alemão. Quando os anos frívolos de repente se acabaram como resultado da crise financeira, a Alemanha se tornou uma rígida disciplinadora fiscal enquanto mantinha os países à beira da bancarrota na periferia da eurozona. Como esses países não podiam, como no passado, recorrer à desvalorização de suas moedas, a única opção que tinham era adotar as “desvalorizações internas” – um termo educado que quer dizer achatar os salários e os benefícios das classes médias e mais baixas, e um horrendo aumento no desemprego, especialmente entre os jovens.
A Europa meridional está presa num campo de prisioneiros monetário, com dóceis políticos executando as ordens dos eurocratas de Bruxelas, em cujas costas estão os disciplinadores alemães. A Alemanha, ao que parece, pode ter tudo. Ela se ajudou então e se ajuda agora. Prospera enquanto a periferia labuta sob uma prolongada e cruel depressão. Nesse ponto, não é injusto colocar a questão que até hoje apenas “extremistas” na Grécia, Itália, Espanha e Portugal se colocaram, qual seja: será esse o modelo da solidariedade europeia ou o esboço grotesco de um Quarto Reich? Os três impérios da história alemã vieram e se foram. Este também se irá.
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