O Pacman da vida

Na evolução do capitalismo, o capital não só hegemonizará a relação com os outros três fatores de produção (terra, tecnologia e trabalho), mas progressivamente os transformará em mercadoria.

Nos artigos anteriores, apresentei uma introdução à análise das relações de subordinação de três dos quatro fatores de produção (terra, tecnologia e trabalho) com respeito ao quarto: o capital. Na evolução do capitalismo, o capital não só hegemonizou a relação com os outros três fatores mas progressivamente os transformou em uma mercadoria, tal que só com dinheiro parece se poder acessar a todo o necessário para levar adiante uma produção qualquer.

Na realidade, este verdadeiro “pacman da vida” não se deteve ao estabelecer tais hierarquias. Logo, os grandes capitalistas devoraram os menores. Em sequência, por sua vez, os capitalistas dos países imperiais substituíram os das colônias; os comerciantes internacionais subordinaram os produtores de cada país. Finalmente, o capital financeiro passou a fixas as regras, em uma etapa que chega até a atualidade, conhecida com o espantoso título de financialização da economia. Isto é: fazer dinheiro com dinheiro, sem produzir nenhum bem nem brindar nenhum serviço comunitário. É a sublimação de uma tendência onde ao capital só lhe cabe devorar-se a si mesmo, porque, nesse espaço, fortunas não só mudam de mão com a vertigem de um cassino mas se destroem de modo quase inexplicável.

A garantia final dos grandes jogadores, em tal lógica, é controlar o cassino, que quer dizer tomar cargo dos governos ou de suficiente influência sobre eles como para consagrar o direito a não perder nunca, amparados por esse lema que diz “é demasiado grande para quebrar”. Postula-se que o dano em cadeia dessas quebras seria superior ao custo comunitário de subsidiar todo tipo de selvagem resgate econômico. Nos Estados Unidos, a discussão sobre o moral hazard, que não é outra coisa que esse debate, leva já mais de 20 anos e sempre se dirime a favor das grandes corporações. Instala-se assim a resignação geral da sociedade. E a concentração continua.

Desde a que chamamos de “academia sensível” aparecem as tentativas de desconcentrar a riqueza por meio da política tributária. Como resposta, multiplicam-se os paraísos fiscais, ainda dentro da primeira potência mundial. Controlar, regular, exortar são verbos que vão caindo em desuso, superados pela concorrência entre países para chamar investimentos, dessa forma, secundários, daqueles que previamente destruíram as tentativas locais de produção.

A solução não aparece. Não pode aparecer quando são as premissas da relação entre os fatores de produção as que foram distorcidas ao ponto de pôr todo de joelhos diante do capital. Essa dependência é a que há que mudar, apesar da enorme dificuldade representada pelo modelo que está na cabeça de todos, inclusive os perdedores e dos que sofrem por causa dele.

Como en las películas de cine catástrofe, empiezan a aparecer señales debajo de los restos.

Como nos filmes de catástrofe, começam a aparecer sinais sob os destroços.

  • A agricultura apoiada pela comunidade, com alianças de produtores e consumidores, dissemina-se pelo mundo central, com milhares e milhares de casos que fizeram que o tema forme parte da política oficial de departamentos de agricultura da Inglaterra e dos Estados Unidos.
  • Os fideicomissos que desenvolvem bairros de habitações populares sobre terras que pertencem ao comum, logrando que se comprem e se vendam habitações com cotas relacionadas estritamente com os salários (http://community-wealth.org/strategies/panel/clts/index.html).
  • A geração de energia solar em hospitais, escolas, em espaços produtivos comuns a numerosas unidades, que se fazem autônomas de qualquer sistema central.
  • O tratamento de efluentes no bairro, com desenhos simplificados e estímulo a pequenas empresas para sua execução.
  • Os bancos comunitários, a moeda virtual, por agora em etapa de sofisticação curiosa, mas com um desenvolvimento de alcance social mais que previsível.

O mundo está hegemonizado pelo capital financeiro e seguirá assim por muito tempo. Dentro dele, há alguns milhões de cidadãos que estão advertindo de que há que escapar da armadilha. A construção da democracia econômica exigirá muito diferentes políticas públicas e, nesse novo contexto, a produção popular aportará valiosas inovações que emergem desde bem abaixo, alertando que há outras formas de organização social e econômica. A criatividade forjada no talento e a necessidade faz parte da aventura humana.

* Instituto para la Producción Popular.

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