O mundo offshore e as mudanças globais necessárias

O mundo offshore é uma das mais graves manifestações do descalabro global que caracteriza os tempos atuais. Urge desmontar as temíveis guaridas fiscais no contexto de uma mudança nas estruturas econômico-financeiras globais que a humanidade e o seu planeta precisam com urgência.

As protagonistas responsáveis do mundo offshore são as “guaridas fiscais”, piedosamente chamadas de “paraísos” pela mídia massiva, a banca global, as corporações multinacionais, as grandes consultorias globais em auditoria e impostos e os estúdios legais especializados. Estes são os facilitadores (enablers) das fugas de capitais, da sonegação tributária e da lavagem de ativos pelas grandes corporações e os “ricos globais”.

Em um contexto no qual os organismos multilaterais mostram cada vez com mais clareza seu viés e as suas limitações, tornam-se imperiosas ações regionais dos países do sul para afrontar esses desafios. Infelizmente, em muitas regiões em desenvolvimento -como no caso da América Latina- as ações regionais “defensivas” hoje são marginais.

Em uma perspectiva global, as questões mais relevantes parecem ser:

a) A crucial discussão pendente -e a ausência de ações globais pertinentes- no que diz respeito a uma nova arquitetura financeira, que deve incluir a banca global, as guaridas fiscais, o financiamento e as normas de conduta das empresas multinacionais não-financeiras e os indispensáveis mecanismos de reestruturação de dívidas soberanas, entre os capítulos principais.

b) A criação, no âmbito das Nações Unidas, de uma autoridade tributária global no intuito de impulsionar a harmonização de impostos, desenvolver métodos globais de controle da inobservância fiscal e promover uma colaboração efetiva -não meramente “de palavra”, como no presente- das administrações tributárias e alfandegárias entre nações e regiões.

c) A adoção de tributos de alcance global, com um tríplice propósito: combater o desenfreado aumento da desigualdade socioeconômica em ingressos e riqueza; atender às migrações forçosas; e minorar os grandes prejuízos consequentes das mudanças climáticas e o deterioro da biosfera, financiando ademais as ações necessárias para proteger suas vítimas.

d) O importante e complexo problema da reforma do sistema das Nações Unidas, para assegurar a sua efetiva democratização; este, um muito dificultoso e essencial objetivo político num mundo de assimetrias geopolíticas com múltiplos centros de poder.

e) O redesenho das principais instituições econômicas multilaterais, o qual requer questionar os dogmas econômicos dominantes.

Embora resulte imperioso encarar um processo de mudanças não traumáticas a escala global, as forças hegemônicas avançam em outras direções. Pesa fortemente a insensatez nacionalista e xenófoba, o rompimento de blocos de países (Brexit, Unasur) e a fragmentação social e política no interior de países como os Estados Unidos, Reino Unido, Espanha, Ucrânia, Iraque e Síria, entre outros.

Isto acontece quando os problemas globais prementes, a desigualdade, a crise ambiental, o crime organizado, os antagonismos geopolíticos, demandam a construção de consensos, de políticas coordenadas e, incluso, de novas formas de governança global.  Ou seja, acordos nos que necessariamente os Estados deverão ajustar seus interesses em favor da construção do bem comum global. Grave é que alguns grandes poderes avançam em outra direção, incentivam e agravam conflitos globais, tal como denuncia o Papa Francisco, face a uma opinião pública dominada pela passividade.

O Estado global do qual fala -entre outrem- “Pepe” Mujica, ex presidente do Uruguai, pode ser um caminho incontornável mais cedo ou mais tarde. Isto abre desafios diversos: como consegui-lo?, utilizando como base as Nações Unidas modificadas?, propondo uma reconstrução global multipolar que reverta um longo período prévio de deterioro e desagregação global? Quantas outras perspectivas será preciso considerar e integrar? Não sobra o tempo à humanidade para tentar um melhor rumo mediante a construção de novas instituições e modos de funcionar da sociedade e da sua economia.

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