O destrutivo mundo offshore: o que fazer diante de sua expansão?

Uma nova arquitetura financeira, uma autoridade tributária global, a reforma do sistema das Nações Unidas são alguns dos críticos desafios a encarar diante da expansão do mundo offshore. Para contra-arrestar as tendências prevalecentes haverá que prover novas e urgentes respostas a uma diversidade de questões sobre o bem comum, entre outras, os desafios ecológicos e populações, a extensão da violência sectária (estatal ou paraestatal), as migrações caóticas do desespero, as explosões com raízes na desigualdade crescente e a crise universal dos sistemas políticos.

 

Para enfrentar a expansão do destrutivo mundo offshore, cabe considerar alguns críticos aspectos, entre os que destacam os seguintes.

  • A crucial discussão pendente sobre a nova arquitetura financeira e as necessárias medidas de implementação, que deve incluir os bancos globais, as “guaridas fiscais”, o financiamento e as regras de comportamento das empresas multinacionais não financeiras e os indispensáveis mecanismos de reestruturação de dívidas soberanas entre seus capítulos principais.
  • A criação, no nível das Nações Unidas, de uma autoridade tributária global com o objetivo de impulsionar a harmonização tributária, desenvolver métodos globais para controlar o descumprimento fiscal e promover uma colaboração efetiva – e não meramente “de palavra”, como no presente – das administrações tributárias e aduaneiras entre nações e regiões.
  • Também deveriam ser adotados tributos de alcance global, com um triplo propósito: combater o rampante aumento da desigualdade socioeconômica em rendas e riqueza; atender às migrações forçadas; e mitigar os grandes danos resultantes da mudança climática e a deterioração da biosfera, financiando, ademais, as ações necessárias para proteger suas vítimas.
  • O importante e complexo problema da necessária reforma do sistema das Nações Unidas, para assegurar sua efetiva democratização (um muito dificultoso e essencial objetivo político em um mundo tão assimétrico, preso a um ressurgimento nacionalista e com múltiplos centros de poder) e o redesenho de suas instituições econômicas (impossível tarefa se os dogmas econômicos dominantes do presente não forem postos em questão).

Não obstante …

O mundo se dirige a uma direção contrária à que se acaba de destacar como desejável para possibilitar mudanças não traumáticas em escala global. Avança sobre a insensatez “nacionalista-xenofóbica”, a ruptura de blocos de países e a própria desintegração de não poucos Estados-nação – Brexit, eleição de Trump nos EUA, possível divisão do Reino Unido, guerra na Ucrânia, desintegração dos Estados do Iraque, Síria, entre outros vários processos similares. Enquanto isso, urgentes problemas globais (a desigualdade e a crise ambiental entre os principais) demandam construir consensos, coordenar políticas e dar marcha a novos poderes globais. Isto é, acordos nos quais, necessariamente, os Estados deveriam ceder parte de sua soberania em favor da construção do “bem comum” global. As tendências “nacionalistas-xenofóbicas” que ganham espaços operam na direção contrária, alentando a expansão e agravamento da “guerra global” denunciada pelo Papa Francisco perante uma opinião pública dominada pela passividade.

… quiçá, todavia, reste margem para o pensamento e a ação

As questões essenciais sobre as que deveríamos refletir no contexto de um enfoque sistêmico são a meu juízo as seguintes (a ordem de apresentação não implica maior ou menor relevância):

1.- Os valores. No Evangelho segundo São Mateus, pode-se ler: “Ali onde está minha fortuna, está meu coração”. Será que dois mil anos de história do Ocidente levou os ricos globais a interpretar a frase bíblica como destacando um “ali” que se refira às guaridas fiscais onde põem de resguardo sua “fortuna”, com seu “coração”, desentendido da sorte de seus conterrâneos?

2.- A cultura dominante voltada para o consumismo individualista.

3.- A história, com uma pesada inércia no Ocidente de mais de três séculos e meio desde o Tratado da Westfalia (1648), que tendeu a “absolutizar” o peso das soberanias estatais ao ponto de permitir o desenvolvimento irrestrito de guaridas fiscais e obstaculizando iniciativas orientadas a proteger o bem comum planetário (particularmente o cuidado com o meio ambiente e o alcance da equidade econômico-social que requerem ser enfrentadas em escala global).

4.- As forças econômicas e sociais em disputa (nacionais/regionais/globais).

5.- As instituições existentes e as necessárias (também em nível nacional/regional/global)

6.- A política e sua crise global.

7.- Os direitos humanos.

 8.- Os meios de comunicação.

 9.- A preservação do Planeta Terra (que implica, por sua vez, saberes e questões muito variadas: teológicas; relacionadas com a paz e a igualdade; com o respeito plural das ideias, as religiões, as civilizações, as raças; com as ciências duras e com muitos outros).

10.- Os métodos de análise necessários para abordar e integrar todas estas questões. 

Uma reflexão final

O “Estado Global” de que fala – entre outros – o ex-presidente do Uruguai, José “Pepe” Mujica, parece o desideratum (o desejável) estratégico, mas como encarar sua construção?

  • A partir de uma “restauração” do sistema das Nações Unidas, com as necessárias e muito difíceis reformas e completamento?
  • A partir de uma eventual dinâmica de reconstrução multipolar, com posterioridade a um longo período de deterioração e disgregaçao global?
  • Quais outras perspectivas poderão ser adotadas?

Não sobra tempo a humanidade para tentar alguma via de transformação: os desafios ecológicos e populacionais, a extensão da violência sectária (estatal ou paraestatal), as migrações caóticas do desespero, as explosões com raízes na desigualdade crescente e a crise universal dos sistemas políticos demandam novas e urgentes respostas.

 

Referencias:

Gaggero, Jorge ; “Tributos, fuga de capitales y globalización”, Revista “Nueva Sociedad”, Buenos Aires, Setiembre de 2006.

Morin, Francois: “L´Hydre Mondiale. L´oligopole bancaire”; LUX; Montréal; Avril 2015.

Rua, Magdalena; “Fuga de capitales IX. El rol de los bancos internacionales y el caso HSBC”; Fundación SES / Red de Justicia Fiscal de América Latina y el Caribe / Coalición por la Transparencia Financiera (FTC); Buenos Aires; Diciembre de 2016.

R Palan; “Tax Havens and the Commercialization of State Sovereignty”; International Organization, 56, 1, winter 2002

 

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